Maquiaveliano

"O Príncipe" de Maquiavel
 
Estamos num período eleitoral para Prefeitos e vereadores de todos os municípios brasileiros. É um período de articulações e decisões políticas que envolvem a vida de cada cidadão de nosso país. Interpretar esse momento não é tarefa fácil para os eleitores, embora cada um expresse sua opinião democrática a respeito dos grupos e líderes que almejam o poder. A tradição e a renovação caminham paralelamente, e às vezes, de mãos dadas na disputa pela mudança ou mantença do poder.
Nesse contexto, o papel do Sociólogo desponta como importante e a interpretação científica é a análise mais considerável. Assim, cabe fazer uma retomada da obra “O príncipe” de Nicolau Maquiavel que se apresenta tão atual quanto em 1513, ano de sua escrita. Apenas alguns trechos serão transportados para o contexto atual e servirá para compreendermos a situação de momento nesse período eleitoral quanto aos sentimentos e perspectivas dos novos candidatos.
Para Maquiavel, o príncipe é qualquer político que esteja no poder ou lutando por ele. A manutenção ou a tomada do poder envolve alguns aspectos, amigos e inimigos que o príncipe deve ter e, às vezes, não ter. São os bajuladores, os adversários, os companheiros e o povo. Além disso, como deve pensar e agir o príncipe em determinadas situações tendo virtude e fortuna. Entendendo virtude como planejamento, estratégias e organização das ações e fortuna como sorte, sucesso obtido a partir da virtude.
Ética?
 
Vejamos o que diz Maquiavel sobre a bondade e a maldade do príncipe. (...) Em verdade, há tanta diferença de como se vive e como se deveria viver, que aquele que abandone o que se faz por aquilo que se deveria fazer, aprenderá antes o caminho de sua ruína do que o de sua preservação, eis que um homem que queira em todas as suas palavras fazer profissão de bondade perder-se-á em meio a tantos que não são bons. Donde é necessário, a um príncipe que queira se manter, aprender a poder não ser bom e usar ou não da bondade, segundo a necessidade. (cap. XV).
Sobre ser liberal, Maquiavel diz que um príncipe deve gastar pouco para não precisar roubar seus súditos, para poder defender-se, para não ficar pobre e desprezado, para não ser forçado a tornar-se rapace, não se importando de incorrer na fama de miserável, porque esse é um daqueles defeitos que o fazem reinar. (...) É mais sabedoria ter a fama de miserável, que dá origem a uma infâmia sem ódio, do que, por querer o conceito de liberal, ver-se na necessidade de incorrer no julgamento de rapace, que cria uma má fama com ódio. (cap. XVI).
O Príncipe - Escritos Políticos
 
Para um político, é melhor ser amado ou odiado? É melhor ser amado que temido, ou antes temido que amado? Maquiavel afirma: O príncipe, contudo, deve ser lento no crer e no agir, não se alarmar por si mesmo e proceder por forma equilibrada, com prudência e humanidade, buscando evitar que a excessiva confiança o torne incauto e a demasiada desconfiança o faça intolerável. [...] seria necessário ser uma coisa e outra; mas, como é difícil reuni-las, em tendo que faltar uma das duas é muito mais seguro ser temido do que amado. Isso porque dos homens pode-se dizer, geralmente, que são ingratos, volúveis, simuladores, tementes do perigo, ambiciosos de ganho; e, enquanto lhes fizeres bem, são todos teus, oferecem-te o próprio sangue, os bens, a vida, os filhos, desde que, como se disse acima, a necessidade esteja longe de ti; quando esta se avizinha, porém, revoltam-se. (...)
Deve o príncipe, não obstante, fazer-se temer de forma que, se não conquistar o amor, fuja ao ódio, mesmo porque podem muito bem coexistir o ser temido e o não ser odiado: isso conseguirá sempre que se abstenha de tomar os bens e as mulheres de seus cidadãos e de seus súditos e, em se lhe tornando necessário derramar o sangue de alguém, faça-o quando existir conveniente justificativa e causa manifesta. (...) Deve, sobretudo, abster-se dos bens alheios, posto que os homens esquecem mais rapidamente a morte do pai do que a perda do patrimônio. (...) Um príncipe sábio, amando os homens como a eles agrada e sendo por eles temido como deseja, deve apoiar-se naquilo que é seu e não no que é dos outros; deve apenas empenhar-se em fugir ao ódio.
Foto do ex-Fernando Henrique Cardoso
 
Dar a palavra. Isso vale? Quando não convencer pela palavra deve-se usar a força? Fernando Henrique Cardoso quando era presidente do Brasil fez isso para vender a Vale do Rio Doce. Ele não convenceu a população, mas vendeu a empresa que não dava prejuízo à Nação colocando a polícia para dispersar os manifestantes. Hoje a empresa é uma das que mais fatura no país.  Ele enquanto Sociólogo fez o que Maquiavel diz no capítulo XVIII. [...]Deveis saber, então, que existem dois modos de combater: um com as leis, o outro com a força. O primeiro é próprio do homem, o segundo, dos animais; mas, como o primeiro modo muitas vezes não é suficiente, convém recorrer ao segundo. Portanto, a um príncipe torna-se necessário saber bem empregar o animal e o homem. [...]
Necessitando um príncipe, pois, saber bem empregar o animal, deve deste tomar como modelos a raposa e o leão, eis que este não se defende dos laços e aquela não tem defesa contra os lobos. É preciso, portanto, ser raposa para conhecer os laços e leão para aterrorizar os lobos. Aqueles que agem apenas como o leão, não conhecem a sua arte. Logo, um senhor prudente não pode nem deve guardar sua palavra, quando isso seja prejudicial aos seus interesses e quando desapareceram as causas que o levaram a empenhá-la. (...) aquele que engana sempre encontrará quem se deixe enganar.
O Príncipe Maquiavel
 
Deve-se compreender que um príncipe, e em particular um príncipe novo, não pode praticar todas aquelas coisas pelas quais os homens são considerados bons, uma vez que, freqüentemente, é obrigado, para manter o Estado, a agir contra a fé, contra a caridade, contra a humanidade, contra a religião. Porém, é preciso que ele tenha um espírito disposto a voltar-se segundo os ventos da sorte e as variações dos fatos o determinem e, como acima se disse, não apartar-se do bem, podendo, mas saber entrar no mal, se necessário.
Como um príncipe deve fugir de ser desprezado e odiado? Maquiavel diz:
Odioso o tornará, acima de tudo, (...) o ser rapace (que rouba) e usurpador (aquele que se apossa de alguma coisa por meio da força ou da fraude) dos bens e das mulheres dos súditos, do que se deve abster; e, desde que não se tirem nem os bens nem a honra à universalidade dos homens, estes vivem felizes e somente se terá de combater a ambição de poucos, o que se refreia por muitos modos e com facilidade. Desprezível o torna ser considerado volúvel, leviano, efeminado, pusilânime, irresoluto, do que um príncipe deve guardar-se como de um escolho, empenhando-se para que nas suas ações se reconheça grandeza, coragem, gravidade e fortaleza; com relação às ações privadas dos súditos, deve querer que a sua sentença seja irrevogável; deve manter-se em tal conceito que ninguém possa pensar em enganá-lo ou traí-lo. [...]

Um dos mais poderosos remédios de que um príncipe pode dispor contra as conspirações é não ser odiado pela maioria, porque sempre, quem conjura, pensa com a morte do príncipe satisfazer o povo, mas, quando considera que com isso irá ofendê-lo, não se anima a tomar semelhante partido, mesmo porque as dificuldades com que os conspiradores têm de se defrontar são infinitas. (...) um príncipe deve dar pouca importância às conspirações se o povo lhe é benévolo; mas quando este lhe seja adverso e o tenha em ódio, deve temer tudo e a todos.(...) um príncipe deve estimar os grandes, mas não se fazer odiado pelo povo. (...) Deve-se notar aqui que o ódio se adquire tanto pelas boas como pelas más ações. (cap.XIV).

No capítulo XXI, Maquiavel pergunta: o que convém a um príncipe para ser estimado?
Nada faz estimar tanto um príncipe como as grandes empresas (conquistas) e o dar de si raros exemplos. (...) Acima de tudo, um príncipe deve empenhar-se em dar de si, com cada ação, conceito de grande homem e de inteligência extraordinária.[...]
Um príncipe é estimado, ainda, quando verdadeiro amigo e vero inimigo, isto é, quando sem qualquer consideração se revela em favor de um, contra outro. Esta atitude é sempre mais útil do que ficar neutro, eis que, se dois poderosos vizinhos teus entrarem em luta, ou são de qualidade que vencendo um deles tenhas a temer o vencedor, ou não. [...]
Sempre acontecerá que aquele que não é amigo procurará tua neutralidade e aquele que é amigo pedirá que te definas com as armas. Os príncipes irresolutos, para fugir aos perigos presentes, seguem na maioria das vezes o caminho da neutralidade e, geralmente, caem em ruína. (...) Além disso, as vitórias nunca são tão brilhantes que o vencedor não deva ter qualquer consideração, principalmente para com o que é justo. Mas, se aquele a quem aderes perder, serás amparado por ele e, enquanto puder, ajudar-te-á e ficarás associado a uma fortuna que poderá ressurgir. [...]
Um príncipe deve ter a cautela de jamais fazer aliança com um mais poderoso que ele para atacar os outros, senão quando a necessidade o compelir, como se disse acima, porque, vencendo, torna-se seu prisioneiro; e os príncipes devem fugir o quanto possam de ficar à discrição dos outros.
Os políticos são rodeados de bajuladores que querem usufruir dos cargos e fazer o governo. É comum um governante indicar parentes e amigos da base eleitoral para exercer funções importantes na gestão e, muitas vezes, os resultados são satisfatórios e outros desastrosos. Mesmo assim, os reflexos no governo são evidentes e notórios causando a ruína ou elevando o nome do príncipe.
Política

 Mas Maquiavel alerta com muita propriedade sobre os secretários que acompanham o príncipe no capitulo XXII.
Não é de pouca importância para um príncipe a escolha dos ministros, os quais são bons ou não, segundo a prudência daquele. E a primeira conjetura que se faz da inteligência de um senhor, resulta da observação dos homens que o cercam; quando são capazes e fiéis, sempre se pode reputá-lo sábio, porque soube reconhecê-los competentes e conservá-los. Mas, quando não são assim, sempre se pode fazer mau juízo do príncipe, porque o primeiro erro por ele cometido reside nessa escolha. [...]
E, porque são de três espécies as inteligências, uma que entende as coisas por si, a outra que discerne o que os outros entendem e a terceira que não entende nem por si nem por intermédio dos outros, a primeira excelente, a segunda muito boa e a terceira inútil. [...]
Toda vez que alguém tem a capacidade de conhecer o bem e o mal que uma pessoa faça ou diga, mesmo que por si não tenha capacidade para solucionar os problemas, discerne as más e as boas obras do ministro, exalta estas e corrige aquelas, e o ministro não pode esperar enganá-lo, pelo que se conserva bom.
Quando vires o ministro pensar mais em si do que em ti, e que em todas as ações procura o seu interesse próprio, podes concluir que este jamais será um bom ministro e nele nunca poderás confiar; aquele que tem o Estado de outrem em suas mãos não deve pensar nunca em si, mas sim e sempre no príncipe, não lhe recordando nunca coisa que não seja da sua competência. Por outro lado, o príncipe, para conservá-lo bom ministro, deve pensar nele, honrando-o, fazendo-o rico, obrigando-se-lhe, fazendo-o participar das honrarias e cargos, a fim de que veja que não pode ficar sem sua proteção, e que as muitas honras não o façam desejar mais honras, as muitas riquezas não o façam desejar maiores riquezas e os muitos cargos o façam temer as mudanças. Quando, pois, os ministros, e os príncipes com relação àqueles, estão assim preparados, podem confiar um no outro; quando não for assim, o fim será sempre danoso ou para um ou para o outro.

 

Muitos políticos toleram os aduladores. Acolhem quando precisam deles e os repudiam, às escuras, quando bajulam demais tornando-se constantes incômodos. Como afastar os aduladores? Segundo o mestre Maquiavel, (cap. XXIII): um príncipe prudente deve proceder por uma terceira maneira, escolhendo em seu Estado homens sábios e somente a eles deve dar a liberdade de falar-lhe a verdade daquilo que ele pergunte e nada mais. Deve consultá-los sobre todos os assuntos e ouvir as suas opiniões; depois, de liberar por si, a seu modo, e, com estes conselhos e com cada um deles, portar-se de forma que todos compreendam que quanto mais livremente falarem, tanto mais facilmente serão aceitas suas opiniões.

E não é possível encontrar conselheiros diferentes, porque os homens sempre serão maus se por uma necessidade não forem tornados bons. Consequentemente se conclui que os bons conselhos, venham de onde vierem, devem nascer da prudência do príncipe, e não a prudência do príncipe resultar dos bons conselhos.
Charge

 

Por que uns políticos conseguem manter o poder e outros não? Alguns se mantêm e outros poderes se renovam. É nesse contexto que entra a tradição, a novidade ou a hereditariedade. Contribuem também o momento e o passado de cada político, a observação do vulgo (povo), o reconhecimento das ações e as armas para chegar ou manter o poder. Para ambos, o príncipe deve ter um bom planejamento (virtude) e buscar a fortuna (sucesso). Um age em relação ao outro porque quem não tem atitude pouco consegue atingir objetivos. Essa parte será elucidada por Maquiavel usando o capítulo XXIV que mostra porque os príncipes da Itália perderam seus Estados.

Um príncipe novo é muito mais observado nas suas ações do que um hereditário; e, quando estas são reconhecidas como virtuosas, atraem mais fortemente os homens e os ligam a si muito mais que a tradição do sangue. Porque os homens são levados muito mais pelas coisas presentes do que pelas passadas e, quando nas presentes encontram o bem, ficam satisfeitos e nada mais procuram. Antes, assumirão toda sua defesa, desde que não falte à palavra nas outras coisas. Assim, terá a dupla glória de ter dado início a um principado novo e de tê-lo ornado e fortalecido com boas leis, boas armas e bons exemplos; por outro lado, aquele que, tendo nascido príncipe, veio a perder o Estado por sua pouca prudência, terá duplicada a sua vergonha.

Portanto, estes nossos príncipes que tinham permanecido muitos anos em seus principados para depois perdê-los, não podem acusar a sorte, mas sim a sua própria ignávia (negligência, covardia, preguiça), pois, não tendo nunca, nos tempos pacíficos, pensado que estes poderiam mudar (o que é defeito comum dos homens na bonança não se preocupar com a tempestade) quando chegaram os tempos adversos preocuparam-se em fugir e não em defender-se, esperando que as populações, cansadas da insolência dos vencedores, os chamassem de volta. Esse partido é bom quando os outros falham, mas é muito mau o ter abandonado os outros remédios por esse, pois não irás cair apenas por acreditar encontrar quem te levante; isso não acontece ou, se acontecer, não será para tua segurança, dado que aquela defesa torna-se vil se não depender de ti. As defesas somente são boas, certas e duradouras quando dependem de ti próprio e da tua virtude.

Charge
Cabe explicar que esses conceitos de Maquiavel não são desejos, e sim, observações da prática de vários governos dos séculos XV e XVI na Europa. Maquiavel registrou e analisou como se deram as mudanças políticas em vários Estados europeus e de que os “príncipes” da época utilizaram para manter ou tomar o poder. Dessas práticas surgiu sua obra mais importante. Maquiavel se dizia ser um indivíduo com virtude, mas sem fortuna. Nunca deu sorte nas suas escolhas políticas e terminou inimigo do Estado ficando na prisão enquanto seus opositores governavam.
O que nos chama a atenção na obra “O Príncipe” é a prática política que perpetua até os dias de hoje. É uma obra atual. Ela nos revela que as ações e discursos políticos do século XV continuam presentes nas atitudes dos políticos atuais e mostra a realidade com é e não como gostaríamos que fosse. Por mostrar essa realidade na época, muitos religiosos e políticos condenaram a obra chamando-a de antiética e contra os princípios morais e disso o nome Maquiavel deu origem ao adjetivo Maquiavélico como sinônimo de pessoa do mal. Mas acredita-se que as análises desse autor têm um caráter muito valioso para a ciência política, uma vez que a obra é rica em relatos de grandes nomes de nossa história. “O Príncipe” tornou-se um manual de como fazer política e é lido por vários cientistas sociais e políticos do mundo inteiro. Maquiavel é considerado o pai da Ciência Política.


Nicolau Maquiavel (em italiano Niccolò Machiavelli; Florença, 3 de maio de 1469 — Florença, 21 de junho de 1527) foi um historiador, poeta, diplomata e músico italiano do Renascimento. É reconhecido como fundador do pensamento e da ciência política moderna, pelo fato de haver escrito sobre o Estado e o governo como realmente são e não como deveriam ser. Os recentes estudos do autor e da sua obra admitem que seu pensamento foi mal interpretado historicamente. Desde as primeiras críticas, feitas postumamente por um cardeal inglês, as opiniões, muitas vezes contraditórias, acumularam-se, de forma que o adjetivo maquiavélico, criado a partir do seu nome, significa esperteza, astúcia.

Por Cledenilson Moreira
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