VESTIBULAR 2013 - Capitães da Areia e outros.


 
CAPITÃES DA AREIA (RESUMO)
Jorge Amado 
Os Capitães da Areia é um grupo de meninos de rua. O livro é dividido em três partes. Antes delas, no entanto, via uma seqüência de reportagens e depoimentos, explicando que os Capitães da Areia é um grupo de menores abandonados e marginalizados, que aterrorizam Salvador. Os únicos que se relacionam com eles são Padre José Pedro e uma mãe-de-santo, Don'Aninha. O Reformatório é um antro de crueldades, e a polícia os caça como adultos antes de se tornarem um. A primeira parte em si, "Sob a lua, num velho trapiche abandonado" conta algumas histórias quase independentes sobre alguns dos principais Capitães da Areia (o grupo chegava a quase cem, morando num trapiche abandonado, mas tinha líderes). Pedro Bala, o líder, de longos cabelos loiros e uma cicatriz no rosto, uma espécie de pai para os garotos, mesmo sendo tão jovem quanto os outros, que depois descobre ser filho de um líder sindical morto durante uma greve; Volta Seca, afilhado de Lampião, que tem ódio das autoridades e o desejo de se tornar cangaceiro; Professor, que lê e desenha vorazmente, sendo muito talentoso; Gato, que com seu jeito malandro acaba conquistando uma prostituta, Dalva; Sem- Pernas, o garoto coxo que serve de espião se fingindo de órfão desamparado (e numa das casas que vai é bem acolhido, mas trai a família ainda assim, mesmo sem querer fazê-lo de verdade); João Grande, o "negro bom" como diz Pedro Bala, segundo em comando; Querido- de- Deus, um capoeirista amigo do grupo, que dá algumas aulas de capoeira para Pedro Bala, João Grande e Gato; e Pirulito, que tem grande fervor religioso.

O apogeu da primeira parte é dividido em, quando os meninos se envolvem com um carrossel mambembe que chegou na cidade, e exercendo sua meninez; e quando a varíola ataca a cidade, matando um deles, mesmo com Padre José Pedro tentando ajudá-los e se indo contra a lei por isso.

A segunda parte, "Noite da Grande Paz, da Grande Paz dos teus olhos", surge uma história de amor quando a menina Dora torna-se a primeira "Capitã da Areia", e mesmo que inicialmente os garotos tentem tomá-la a força, ela se torna como mãe e irmã para todos. (O homossexualismo é comum no grupo, mesmo que em dado momento Pedro Bala tente impedi-lo de continuar, e todos eles costumam "derrubar negrinhas" na orla.) Professor e Pedro bala se apaixonam por ela, e Dora se apaixona por Pedro Bala. Quando Pedro e ela são capturados (ela em pouco tempo passa a roubar como um dos meninos), eles são muito castigados, respectivamente no Reformatório e no Orfanato. Quando escapam, muito enfraquecidos, se amam pela primeira vez na praia e ela morre, marcando o começo do fim para os principais membros do grupo.

 "Canção da Bahia, Canção da Liberdade", a terceira parte, vai nos mostrando a desintegração dos líderes. Sem-Pernas se mata antes de ser capturado pela polícia que odeia; Professor parte para o Rio de Janeiro para se tornar um pintor de sucesso, entristecido com a morte de Dora; Gato se torna uma malandro de verdade, abandonando eventualmente sua amante Dalva, e passando por ilhéus; Pirulito se torna frade; Padre José Pedro finalmente consegue uma paróquia no interior, e vai para lá ajudar os desgarrados do rebanho do Sertão; Volta-Seca se torna um cangaceiro do grupo de Lampião e mata mais de 60 soldados antes de ser capturado e condenado; João Grande torna-se marinheiro; Querido-de-Deus continua sua vida de capoeirista e malandro; Pedro Bala, cada vez mais fascinado com as histórias de seu pai sindicalista, vai se envolvendo com os doqueiros e finalmente os Capitães da Areia ajudam numa greve. Pedro Bala abandona a liderança do grupo, mas antes os transforma numa espécie de grupo de choque. Assim Pedro Bala deixa de ser o líder dos Capitães da Areia e se torna um líder revolucionário comunista.

Este livro foi escrito na primeira fase da carreira de Jorge Amado, e notam-se grandes preocupações sociais. As autoridades e o clero são sempre retratados como opressores (Padre José Pedro é uma exceção, mas nem tanto; antes de ser um bom padre foi um operário), cruéis e responsáveis pelos males. Os Capitães da Areia são tachados como heróis no estilo Robin Hood. No geral, as preocupações sociais dominam, mas os problemas existenciais dos garotos os transformam em personagens únicos e corajosos, corajosos Capitães da Areia de Salvador.

Personagens

João Grande: Negro, mais alto e mais forte do bando. Cabelo crespo e baixo, músculos rígidos, tem 13 anos. Seu pai, um carroceiro gigantesco, morreu atropelado por um caminhão, quando tentava desviar o cavalo para um lado da rua. Após a morte de seu pai, João Grande não voltou mais ao morro onde morava, pois estava atraído pela cidade da Bahia. Cidade essa que era negra, religiosa, quase tão misteriosa como o verde mar. Com nove anos entrou nos Capitães da areia. Época em que o Caboclo ainda era o chefe. Cedo, se fez um dos chefes do grupo e nunca deixou de ser convidado para as reuniões que os maiorais faziam para organizar os furtos. Ele não era chamado para as reuniões porque ele era inteligente e sabia planejar os furtos, mas porque ele era temido, devido a sua força muscular. Se fosse para pensar, até lhe doía a cabeça e os olhos ardiam. Os olhos ardiam também quando viam alguém machucando menores. Então seus músculos ficavam duros e ele estava disposto a qualquer briga. Ele era uma pessoa boa e forte, por isso, quando chegavam pequeninos cheios de receio para o grupo, ele era escolhido o protetor deles. O chefe dos capitães da areia era amigo de João Grande não por sua força, mas porque Pedro o achava muito bom, até melhor que eles. João Grande aprende capoeira com o Querido-de-Deus junto com Pedro Bala e Gato. João Grande tem um grande pé, fuma e bebe cachaça. João Grande não sabe ler. João Grande,era chamado de Grande pelo professor, admirava o professor. O professor achava João Grande um negro macho de verdade.

Dora: Morreu de uma febre muito forte, depois de se tornar esposa de Pedro Bala*. Morreu como uma santa, pois havia sido boa. *Para ele, virara uma estrela.

Sem-Pernas: Morrera se jogando de um penhasco (elevador), depois de muito correr fugindo da polícia após um roubo. Ele preferira morrer a se entregar.

Professor: Com seu dom de pintar, fora ao "Rio de Janeiro" tentar sucesso. Lá com os quadros dos Capitães da Areia ficou famoso.

Boa-Vida: Era mais um malandro da cidade, que fazia sambas e cantava pelas ruas, nas calçadas, nos bares, a "vagabundar".

Querido-de-Deus: Ensinava os meninos a lutar capoeira. Todos no trapiche o admiravam. Era pescador.

Dalva: Era uma mulher de uns trinta e cinco anos, o corpo forte, rosto cheio de sensualidade. O Gato a desejou imediatamente.

Pirulito: Garoto magro e muito alto, olhos encovados e fundos. Tinha Hábito de rezar.

Volta - Seca: Mulato sertanejo. Viera da caatinga. Tinha como ídolo o cangaceiro Lampião.

O Gato: Candidato a malandro do bando, era elegante, gostando de se vestir bem. Tinha um caso com a prostituta, Dalva, que lhe dava dinheiro, por isso, muitas vezes, não dormia no trapiche. Só aparecia ao amanhecer, quando saía com os outros, para as aventuras do dia.

João-de-Adão: Estivador, negro fortíssimo e antigo grevista, era igualmente temido e amado em toda a estiva. Através dele, Pedro Bala soube de seu pai.

A ROSA DO POVO - Carlos Drummond de Andrade
Publicado em 1945, Rosa do Povo é aclamado por inúmeros setores da crítica literária como a melhor obra de Carlos Drummond de Andrade, o maior poeta da Literatura Brasileira e um dos três mais importantes de toda a Língua Portuguesa. Antes que se comece a visão sobre esse livro, necessária se faz, no entanto, uma recapitulação das características marcantes do estilo do grande escritor mineiro.
Desde o seu “batismo de fogo” em 1928, com a publicação do célebre "No Meio do Caminho", na Revista de Antropofagia, Drummond ficou conhecido como "o poeta da pedra". Ao invés de se sentir ofendido com tal apelido, de origem pejorativa, acaba assumindo-o, transformando-o em um dos símbolos de seu fazer literário.
De fato, obedecendo a um quê de Mallarmé em sua ascendência (principalmente no que se refere à idéia de poesia como algo ligado à mineral), a dureza e até a frieza da pedra marcam a poesia drummondiana, pois ela é dotada não de uma insensibilidade, mas de uma afetividade contida.
Torna-se, portanto, um dos pilares da poesia moderna (junto de Bandeira e João Cabral), afastando do lugar nobre de nossa literatura o melodrama, a emoção desbragada, descontrolada e descabelada que por muito tempo imperaram por aqui.
Dessa forma, vai sempre se mostrar um eu-lírico discreto ao sentir o seu círculo e o seu mundo até mesmo quando vaza críticas, muitas vezes feitas sob a perspectiva da ironia. Aliás, essa figura de linguagem é muito comum na estética do autor, pois pode ser entendida como uma forma torta de dizer as coisas. Não se deve esquecer que essa qualidade nos remete ao célebre adjetivo gauche (termo francês que significa torto, sem jeito, desajeitado), poderoso determinante da produção do autor.
Tal caráter está não só na linguagem (que muitas vezes não tem os elementos considerados óbvios para a poesia), mas também pode ser encontrado na maneira deslocada como se relaciona com o seu mundo, o que pode ser justificado pela sua origem, pois é um homem de herança rural, filho de fazendeiros, que acaba se encontrando no ambiente urbano (essa mudança de plano é uma característica encontrada em vários escritores modernistas, o que possibilita afirmar que Drummond, se não é o símbolo de sua geração, é o representante do próprio Brasil, que estava se tornando urbano, mas que carregava ainda uma forte herança rural).
No entanto, ao invés de esse seu sem jeito tornar-se elemento pejorativo, acaba por dar-lhe uma potência fenomenal na análise social e existencial. Posto à margem do sistema, consegue ter uma visão mais clara e menos comprometida pela alienação dos que se preocupam em cumprir seus compromissos rotineiros. Eis o grande feito de Rosa do Povo.
Para a compreensão dessa obra, bastante útil é lembrar a data de sua publicação: 1945. Trata-se de uma época marcada por crises fenomenais, como a Segunda Guerra Mundial e, mais especificamente ao Brasil, a Ditadura Vargas. Drummond mostra-se uma antena poderosíssima que capta o sentimento, as dores, a agonia de seu tempo. Basta ler o emblemático "A Flor e a Náusea", uma das jóias mais preciosas da presente obra.


O SANTO E A PORCA - Ariano Suassuna
Eudoro Vicente manda uma carta a Eurico dizendo que lhe pedirá o seu bem mais precioso.
Na casa do comerciante, moram a filha Margarida, a irmã de Eurico, Benona, a empregada Caroba e, já há algum tempo, Dodó, filho do rico fazendeiro Eudoro. Dodó vive disfarçado, finge-se de torto, deformado e sovina. Assim conquistou Eurico, que lhe atribuiu a função de guardião da filha, quem Dodó namora às escondidas.
O desenrolar dos fatos se desencadeira com a carta enviada por Pinhão, empregado de Eudoro e noive de Caroba, empregada de Euricão. Eudoro informa que fará uma visita para pedir esse bem tão precioso a Eurico, que fica apreensivo, pois pensa que lhe pedirá dinheiro emprestado. Eurico insiste em de dizer pobre, repetindo as frases: "Ai a crise, ai a carestia".
Na sala da casa de Eurico, onde as cenas se desenrolam, há uma estátua de Santo Antônio, de quem Eurico é devoto, e uma antiga porca de madeira, a quem ele dedica especial atenção e que logo o público saberá que esconde maços de dinheiro.
Caroba, muito esperta, percebe que Eudoro pedirá margarida em casamento, é assim que ela entende o bem mais precioso de Eurico que o fazendeiro, pai de Dodó, quer saber. Então ela arma um circo para alcançar alguns objetivos: ganhar algum dinheiro, pois quer casar com Pinhão, casar Dodó e Margarida além de Eudoro e Benona, que já tinham sido noivos há muitos anos. Eudoro, viúvo, querias Margarida, mocinha; Benona, solteirona, queria Eudoro, fazendeiro; Margarida queria Dodó, pois o amava; Caroba e Pinhão se queriam; Euricão queria a porca, ou será que queria a proteção de Santo Antônio para a porca?
Caroba negocia uma comissão com Eurico para ajudá-lo a tirar vinte contos de Eudoro Vicente, antes que este peça dinheiro a Eurico. Acertam-se. Aí Caroba convence Benona que Eudoro virá pedi-la em casamento e se dispõe a ajudá-la. São então tramas de Caroba: fazer Eurico pedir vinte contos a Eudoro para o casamento (na realidade, para um jantar); convencer Benona de que Eudoro viria pedi-la em casamento; fazer Eudoro acreditar que pede Margarida; fazer Eurico crer que Eudoro pede Benona; armar um encontro entre Eudoro e Margarida na penumbra; ficar no lugar de Margarida, com o vestido dela.
Conseqüências das armações de Caroba: Dodó sente ciúme de Margarida, pois pensa que ela irá encontrar-se com Eudoro; Pinhão sente ciúme de Caroba quando sabe que ela irá em lugar de Margarida; Euricão desconfia que querem roubar sua porca recheada, pois ouve falarem em devorar porca e pensa ser a sua, quando é a do jantar que se encomendou para receber Eudoro; Pinhão desconfia de Eurico e o observa, porque este age estranhamente.
Na hora do encontro entre Margarida e Eudoro, Caroba tranca Margarida no quarto, manda Benona permanecer também no seu e vai, vestida de Margarida, receber Eudoro. Dodó vê Caroba e pensa ver Margarida, pois está com o vestido dela. Para não ter que se explicar, Caroba o empurra e tranca no quarto com Margarida. Caroba então veste roupa de Benona e esta a de Margarida. Caroba então recebe Eudoro vestida de Benona. Ele é enganado: pensa estar conversando com a antiga noiva, que se insinua a ele, na penumbra não percebe que é Caroba. Ela o leva ao quarto de Benona e o tranca com a ex-noiva, por quem agora já está novamente interessado.
Pinhão ao sair do esconderijo onde estivera observando a cena, vê Caroba e pensa ser Benona e tenta seduzí-la. Ela reage e bate em Pinhão e o manda esperar por Caroba, que tira as roupas de Benona e diz que acompanhou toda a cena, bate outra vez em Pinhão, mas na confusão começam a se beijar. Aí destrancam as portas dos quartos de Margarida e Dodó, Benona e Eudoro, e entram em outro.
Dodó e Margarida saem do quarto e pensam ter sido surpreendidos por Eurico, que entra em casa dizendo estar perdido.Na verdade Eurico havia saído para enterrar sua porca recheada dentro do cemitério. A conversa entre Eurico e Dodó é engraçada, pois ambos se enganam: Dodó fala de Margarida, enquanto Eurico fala da porca que desapareceu. Eurico pensa que o rapaz lhe roubou a porca, já que este o traiu. No desespero, Eurico finalmente revela que a porca estava cheia de dinheiro guardado há tantos anos.
Com os gritos da discussão, Pinhão e Caroba saem do quarto. Depois Eudoro e Benona do seu. A cena é divertida: são três casais que de repente estão juntos e felizes ante Euricão lamentando a perda da porca. Graças a Caroba os casais se entendem sem Euricão nem Eudoro perceberem o engano de que foram vitimas. Margarida desconfiou de Pinhão e afirmou que ele pegara a porca. Eurico lhe salta no pescoço e Pinhão acaba contando, mas exige vinte contos para dizer onde escondeu a porca, os vinte contos que Eurico conseguiu emprestados de Eudoro com a ajuda de Caroba. Com o vale do dinheiro na mão, mostra a porca que estava na casa mesmo.
Então, Eudoro faz Eurico perceber que aquele dinheiro era velho e havia perdido o valor. Eurico se desespera. Tentam dissuadi-lo da importância do dinheiro, mas ele manda todos embora e fica só, com a porca e o Santo, tentando entender o que aconteceu, qual o sentido de tudo que houvera.
Resumo adapt. Do Site http://osantoeaporca.vilabol.uol.com.br/


 
Características da Obra de Suassuna:

Quando começamos a estudar a produção dos autos de Ariano Suassuna, não podemos dissociar esta análise das produções do escritor Gil Vicente. Ambos possuem semelhanças concretas, principalmente, com relação à:

1. Construção das personagens - cada personagem representa uma classe social - que é criticada - e, por vezes, possui um nome que o identifica a função que exerce na comunidade onde vive, ou apelidos cômicos, como acontece com João Grilo, Chico, a mulher do padeiro, todos do Auto da Compadecida; Gil Vicente identifica seus personagens como mercadores, padres, pobres, etc., sempre numa alusão às classes da hierarquização social da Era Humanista ( marca o fim da Idade Média );

2. Religiosidade - ambos os autores reforçam a manipulação que o clero exerce sobre o povo mais simples, compactuando com os interesses econômicos representados por coronéis, bispos (Ariano Suassuna) e por nobres, ricos (Gil Vicente); as figuras de diabos, anjos, Jesus e Nossa Senhora estarão presentes nas obras dos escritores, com a devida evolução de linguagem no caso dos textos de Suassuna - dentre essas a figura que rouba a cena é a do diabo pela sua força expressiva e sua posição de juiz das almas já que enumera as falcatruas dos outros personagens (efetuando, inclusive, uma rememoração da história que está sendo contada).

3. Crítica social - os períodos históricos em que os autos são escritos apresentam características semelhantes: grande desnivelamento social, fome, desmandos de poderosos e, em se tratando das obras de Suassuna, há o agravante dos fatores naturais que tornam a vida do sertanejo muito difícil.

4. Ironia - é a grande marca que identifica os autores e é o grande recurso utilizado para elaborar a crítica. Em Gil Vicente, há obras cuja ironia crítica serviu de modelo para as gerações seguintes, como em Auto da Lusitânia (e os personagens "Todo o mundo" e "Ninguém"). E em Ariano Suassuna, o mesmo será comprovado no reconhecido Auto da compadecida, mas também em O santo e a porca e em Farsa da boa preguiça.




Comparação com Plauto

Na apresentação de sua peça O Santo e a Porca (1957), Ariano Suassuna a sub-intitula de uma "Imitação Nordestina de Plauto", referindo-se à Aululária, do autor latino.

A palavra imitação, usada por Suassuna, nos remete ao conceito aristotélico de mimeses, cujo significado não representa apenas uma repetição à semelhança de algo, uma cópia, mas a representação de uma realidade, mais precisamente de uma revelação da essência dessa realidade.

Essa essência está representada, nessas duas obras, pela avareza humana.

Neste trabalho, pretendemos uma abordagem desse tema, sob o aspecto de como o objeto depositário da avareza foi tratado pelos dois autores: a panela, em Aululária; a porca, na comédia de Suassuna.

Optamos pelo enfoque simbólico dessa proposta, visto que a obra de Suassuna, que se declara uma imitação da de Plauto, mantém uma distância de mais de dois milênios da original e está contextualizada, tanto geográfica como culturalmente, numa distância não menor do que a temporal.

Nesse paralelo, destacamos a trajetória dos dois objetos que constituem o eixo norteador de toda a ação das duas peças.

Na comédia do autor latino (Plauto Titus Maccus - 250?-184? a.C.), de influência grega e estilo tipicamente romano, o velho avarento Euclião descobre na lareira de sua casa uma panela cheia de moedas de ouro deixada por seu avô. O casamento de sua filha com um velho rico é o motivo que origina toda a ação da peça. Os recursos utilizados por Plauto dão à comédia um ritmo ágil e hilariante, cheio de ambigüidades e desencontros. "O diálogo, como em todas as suas peças, lembra a fala rápida da comédia musical americana (e na verdade era representada com acompanhamento musical)" (GASSNER, 1974, p.112).

Ariano Suassuna retoma o tema e situa-o no Nordeste. Seu protagonista chama-se Euricão Árabe.

Na contracapa do livro de Suassuna (1984), Manuel Bandeira comenta as duas obras:

Plauto é o mais linearmente clássico, na sua pintura de um caráter de avarento; Suassuna é o mais complicado, não só pela maior abundância de incidentes na efabulação, como pela evidente intenção de moralidade filosófica; (...) e os elementos nordestinos da porca e seu protetor, o Santo (Santo Antônio) são os grandes achados de Suassuna, e o que confere o timbre de originalidade na volta ao velho tema.

Na seqüência das duas narrativas, tanto a panela quanto a porca acompanham todo o ciclo de transformação interior dos respectivos protagonistas, o que nos induz a uma interpretação simbólica desse trajeto.

Tomamos como símbolos, na Aululária ou O Vaso de Ouro, o Deus Lar, a lareira, o templo da Fidelidade, o bosque de Silvano e o objeto representativo da avareza, a panela (vaso). Em O Santo e a Porca, temos como correspondentes o Santo Antônio, a sala, o porão, o cemitério e o objeto da avareza, a porca de madeira.

Considerando os costumes e as crenças inerentes às duas épocas retratadas pelos autores, cabe primeiramente um destaque à parte mística e mítica das duas peças.

Para os romanos, os Lares eram deuses domésticos, protetores de cada família e de cada casa, cultuados no lararium, uma espécie de oratório. Tinham um templo, no Campo de Marte, onde eram feitos os sacrifícios e as oferendas. Interessante destacar que, quando se tratava de sacrifício público, a vítima ofertada era o porco (SPALDING,1982).

Euclião, até o momento da perda de sua panela com o tesouro, invoca o deus Hércules, identificado com o deus grego Héracles, símbolo da força combativa. Os romanos também o tinham como divindade protetora dos bens materiais e dos bons lucros nos negócios.

Após a perda de seu tesouro, Euclião invoca Júpiter, que simboliza tanto a expansão material como o enriquecimento vital.

Santo Antônio, por sua vez, é um santo de grande devoção popular nos países de origem latina. No Nordeste, esse santo é grandemente festejado durante as chamadas festas juninas. É tido, também, como "santo casamenteiro".

Euricão Árabe, o velho avarento de O Santo e a Porca, invoca o santo, questiona-o, do início ao fim de sua aventura. Embora, em alguns momentos, oscile entre o santo e a porca, mantém-se fiel ao santo de sua devoção. Esta oscilação poderia representar o movimento entre espiritualidade e materialidade inerentes ao ser humano.

Euclião, no entanto, é a imagem da personificação da avareza. Apela para o deus ou divindade que melhor atender à necessidade de determinado momento.

Nesse contexto de crenças e costumes, a avareza das duas personagens está representada em dois objetos: a panela (vaso) com o ouro de Euclião, escondida na lareira, e a "porca de madeira, velha e feia (...) com pacotes de dinheiro" (SUASSUNA, 1984, p.13), depositada na sala de Euricão sob a imagem de Santo Antônio.

A lareira expressa o simbolismo da vida em comum, do centro da casa. Seu calor e sua luz aproximam as pessoas, é o centro da vida. Assim como a sala, tem o significado de "um santuário, no qual se pede a proteção de Deus, celebra-se o seu culto e guardam-se as imagens sagradas" (CHEVALIER, GHEERBRANT, 1994, p.536).

A panela e a porca de madeira eram guardadas, respectivamente, nesses dois ambientes domésticos - lareira e sala -; portanto, equivalentes.

O vaso com as moedas de ouro (a panela de Euclião) representa "um reservatório de vida (...), o segredo da vida espiritual, o símbolo de uma força secreta". Se o vaso for "aberto em cima, indica uma receptividade às influências celestes" (CHEVALIER, GHEERBRANT, 1994, p.932).

Por sua vez, a moeda traz uma imagem ambivalente: a de valor e a de alteração da verdade.

A porca, juntamente com o porco, são considerados símbolos universais. Este representa a impureza, a voracidade, as tendências obscuras, enquanto que a porca, divinizada desde os egípcios, simboliza a abundância e o princípio feminino de reprodução, de criação da vida.

Todo o sentido da vida de Euclião e da de Euricão, simbolizado na panela guardada na lareira e na porca de madeira guardada na sala ao pé do santo, foi ameaçado por um acontecimento inesperado: o casamento das filhas. É o início do processo de vivência da perda:

Euricão: Ai minha porquinha adorada! (...) querem levar meu sangue, minha carne meu pão de cada dia, a segurança de minha velhice, a tranqüilidade de minhas noites, a depositária de meu amor! (SUASSUNA, 1984, p.33-34)

Diante da ameaça, Euclião esconde seu tesouro no templo da Fidelidade, e Euricão, numa grande cova ("socavão"), no porão de sua casa.

No plano simbólico, o templo e a cova sintetizam o lugar dos segredos, a busca ao desconhecido. Para os romanos, em particular, o templo era de grande importância. Lá, eles veneravam seus deuses, acorriam para pedir graças e proteção, em troca de sacrifícios e oferendas Era, pois, o reflexo do mundo divino e de seus mistérios.

Impulsionados pela ameaça da perda de seus bens, cultivados durante toda a vida, Euclião e Euricão buscam novo esconderijo para seus tesouros. O primeiro esconde-o no bosque de Silvano; o segundo, no cemitério da igreja.

Silvano, para os romanos, era um deus campestre de significação ambígua: protegia a agricultura e presidia às florestas (silva, "floresta") e, ao mesmo tempo, era uma "espécie de bicho-papão" que causava medo às crianças.

Além de simbolizar o inconsciente, a floresta carrega o significado do vínculo que as árvores mantêm entre a terra (raízes) e o céu (copa).

Euricão esconde sua porca no cemitério da igreja, num socavão entre o túmulo de sua mulher e o muro. O socavão evoca o simbolismo da abertura para o desconhecido, no sentido do imanente ao transcendente; o túmulo, associado à morte, é o lugar da metamorfose, do renascimento, ou das trevas; o muro, também de significado ambíguo, simboliza a separação e a defesa.

Podemos sintetizar essa etapa da trajetória dos avarentos como de conflito existencial diante da perda, em direção a uma nova visão de mundo e renovação de valores.

Euclião agradece aos deuses, despede-se alegremente de sua panela e a dá de presente aos noivos.

Euricão, diante da constatação da realidade (seu dinheiro não tinha mais nenhum valor), sente-se traído pela vida. Melancolicamente, reconhece: "Um golpe do acaso abriu meus olhos (...). Que quer dizer isso, Santo Antônio? Será que só você tem a resposta?" (SUASSUNA, 1984, p.82).

Na comparação simbólica das duas comédias, vimos que os elementos representativos da avareza (a panela e a porca) podem ser associados às etapas marcantes da narrativa.

O primeiro momento (a panela e a porca; o Deus Lar e Santo Antônio) podemos caracterizar como o do potencial latente e inerente à natureza humana: o material e o espiritual. O poder de acumulação e a visão desses valores são representados, em Euclião e Euricão, pela avareza.

O segundo momento, podemos caracterizar como o do conflito e do início da transformação desses valores (o templo da Fidelidade e o porão): a busca ao desconhecido, ou seja, um momento de interiorização e reflexão das personagens, sobre os valores até então tidos como sólidos e permanentes.

O terceiro momento, finalmente, seria o da constatação da perda. E, aqui, haveria duas possibilidades de escolha: a da evolução ou a da involução, simbolizada pela ambigüidade do "bosque de Silvano" e a do "cemitério da igreja".

A escolha de Euclião e de Euricão foi a da transformação no sentido evolutivo e de discernimento de que os bens materiais são um meio e não um fim. Diríamos que foi uma escolha do caminho ascendente entre a terra e o céu, entre o transitório e o permanente.

A avareza dos protagonistas nos remete, em contrapartida, a duas outras personagens, também idosas (Megadoro, na Aululária, e Eudoro, em O Santo e a Porca), que não apresentam tal característica, sendo, portanto, opostas a Euclião e Euricão.

Concluindo, lembramos as palavras de Cícero sobre os defeitos comumente atribuídos à velhice. Diz o orador latino que: são defeitos dos costumes, não da velhice. (...) Não compreendo o que a avareza do ancião quer para si mesmo. Há algo de mais absurdo que aumentar as provisões de viagem à medida que menos caminho resta? (CÍCERO, 1980, p.81).

Em breve: Crônicas de Origem de Luís da Câmara Cascudo e Antologia de Contos Brasileiros – Vários autores.

Comentários

  1. Baixar o Filme - Capitães da Areia - Adaptação do romance escrito por Jorge Amado - http://mcaf.ee/u0s9q

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