CAPITÃES DA AREIA (RESUMO)
Jorge Amado
Os Capitães da Areia é um grupo de meninos de
rua. O livro é dividido em três partes. Antes delas, no entanto, via uma
seqüência de reportagens e depoimentos, explicando que os Capitães da Areia é
um grupo de menores abandonados e marginalizados, que aterrorizam Salvador. Os
únicos que se relacionam com eles são Padre José Pedro e uma mãe-de-santo,
Don'Aninha. O Reformatório é um antro de crueldades, e a polícia os caça como
adultos antes de se tornarem um. A primeira parte em si, "Sob a lua, num
velho trapiche abandonado" conta algumas histórias quase independentes
sobre alguns dos principais Capitães da Areia (o grupo chegava a quase cem,
morando num trapiche abandonado, mas tinha líderes). Pedro Bala, o líder, de
longos cabelos loiros e uma cicatriz no rosto, uma espécie de pai para os
garotos, mesmo sendo tão jovem quanto os outros, que depois descobre ser filho
de um líder sindical morto durante uma greve; Volta Seca, afilhado de Lampião,
que tem ódio das autoridades e o desejo de se tornar cangaceiro; Professor, que
lê e desenha vorazmente, sendo muito talentoso; Gato, que com seu jeito
malandro acaba conquistando uma prostituta, Dalva; Sem- Pernas, o garoto coxo
que serve de espião se fingindo de órfão desamparado (e numa das casas que vai
é bem acolhido, mas trai a família ainda assim, mesmo sem querer fazê-lo de
verdade); João Grande, o "negro bom" como diz Pedro Bala, segundo em
comando; Querido- de- Deus, um capoeirista amigo do grupo, que dá algumas aulas
de capoeira para Pedro Bala, João Grande e Gato; e Pirulito, que tem grande
fervor religioso.
O apogeu da primeira parte é dividido em, quando
os meninos se envolvem com um carrossel mambembe que chegou na cidade, e
exercendo sua meninez; e quando a varíola ataca a cidade, matando um deles,
mesmo com Padre José Pedro tentando ajudá-los e se indo contra a lei por isso.
A segunda parte, "Noite da Grande Paz, da
Grande Paz dos teus olhos", surge uma história de amor quando a menina
Dora torna-se a primeira "Capitã da Areia", e mesmo que inicialmente
os garotos tentem tomá-la a força, ela se torna como mãe e irmã para todos. (O
homossexualismo é comum no grupo, mesmo que em dado momento Pedro Bala tente
impedi-lo de continuar, e todos eles costumam "derrubar negrinhas" na
orla.) Professor e Pedro bala se apaixonam por ela, e Dora se apaixona por
Pedro Bala. Quando Pedro e ela são capturados (ela em pouco tempo passa a
roubar como um dos meninos), eles são muito castigados, respectivamente no
Reformatório e no Orfanato. Quando escapam, muito enfraquecidos, se amam pela
primeira vez na praia e ela morre, marcando o começo do fim para os principais
membros do grupo.
"Canção da Bahia, Canção da
Liberdade", a terceira parte, vai nos mostrando a desintegração dos
líderes. Sem-Pernas se mata antes de ser capturado pela polícia que odeia;
Professor parte para o Rio de Janeiro para se tornar um pintor de sucesso,
entristecido com a morte de Dora; Gato se torna uma malandro de verdade, abandonando
eventualmente sua amante Dalva, e passando por ilhéus; Pirulito se torna frade;
Padre José Pedro finalmente consegue uma paróquia no interior, e vai para lá
ajudar os desgarrados do rebanho do Sertão; Volta-Seca se torna um cangaceiro
do grupo de Lampião e mata mais de 60 soldados antes de ser capturado e
condenado; João Grande torna-se marinheiro; Querido-de-Deus continua sua vida
de capoeirista e malandro; Pedro Bala, cada vez mais fascinado com as histórias
de seu pai sindicalista, vai se envolvendo com os doqueiros e finalmente os
Capitães da Areia ajudam numa greve. Pedro Bala abandona a liderança do grupo,
mas antes os transforma numa espécie de grupo de choque. Assim Pedro Bala deixa
de ser o líder dos Capitães da Areia e se torna um líder revolucionário
comunista.
Este livro foi escrito na primeira fase da
carreira de Jorge Amado, e notam-se grandes preocupações sociais. As
autoridades e o clero são sempre retratados como opressores (Padre José Pedro é
uma exceção, mas nem tanto; antes de ser um bom padre foi um operário), cruéis
e responsáveis pelos males. Os Capitães da Areia são tachados como heróis no
estilo Robin Hood. No geral, as preocupações sociais dominam, mas os problemas
existenciais dos garotos os transformam em personagens únicos e corajosos,
corajosos Capitães da Areia de Salvador.
Personagens
João Grande: Negro, mais alto e mais forte do
bando. Cabelo crespo e baixo, músculos rígidos, tem 13 anos. Seu pai, um
carroceiro gigantesco, morreu atropelado por um caminhão, quando tentava
desviar o cavalo para um lado da rua. Após a morte de seu pai, João Grande não
voltou mais ao morro onde morava, pois estava atraído pela cidade da Bahia.
Cidade essa que era negra, religiosa, quase tão misteriosa como o verde mar.
Com nove anos entrou nos Capitães da areia. Época em que o Caboclo ainda era o
chefe. Cedo, se fez um dos chefes do grupo e nunca deixou de ser convidado para
as reuniões que os maiorais faziam para organizar os furtos. Ele não era
chamado para as reuniões porque ele era inteligente e sabia planejar os furtos,
mas porque ele era temido, devido a sua força muscular. Se fosse para pensar,
até lhe doía a cabeça e os olhos ardiam. Os olhos ardiam também quando viam
alguém machucando menores. Então seus músculos ficavam duros e ele estava
disposto a qualquer briga. Ele era uma pessoa boa e forte, por isso, quando
chegavam pequeninos cheios de receio para o grupo, ele era escolhido o protetor
deles. O chefe dos capitães da areia era amigo de João Grande não por sua
força, mas porque Pedro o achava muito bom, até melhor que eles. João Grande
aprende capoeira com o Querido-de-Deus junto com Pedro Bala e Gato. João Grande
tem um grande pé, fuma e bebe cachaça. João Grande não sabe ler. João
Grande,era chamado de Grande pelo professor, admirava o professor. O professor
achava João Grande um negro macho de verdade.
Dora: Morreu de uma febre muito forte, depois de
se tornar esposa de Pedro Bala*. Morreu como uma santa, pois havia sido boa.
*Para ele, virara uma estrela.
Sem-Pernas: Morrera se jogando de um penhasco
(elevador), depois de muito correr fugindo da polícia após um roubo. Ele
preferira morrer a se entregar.
Professor: Com seu dom de pintar, fora ao
"Rio de Janeiro" tentar sucesso. Lá com os quadros dos Capitães da
Areia ficou famoso.
Boa-Vida: Era mais um malandro da cidade, que
fazia sambas e cantava pelas ruas, nas calçadas, nos bares, a
"vagabundar".
Querido-de-Deus: Ensinava os meninos a lutar
capoeira. Todos no trapiche o admiravam. Era pescador.
Dalva: Era uma mulher de uns trinta e cinco anos,
o corpo forte, rosto cheio de sensualidade. O Gato a desejou imediatamente.
Pirulito: Garoto magro e muito alto, olhos
encovados e fundos. Tinha Hábito de rezar.
Volta - Seca: Mulato sertanejo. Viera da
caatinga. Tinha como ídolo o cangaceiro Lampião.
O Gato: Candidato a malandro do bando, era
elegante, gostando de se vestir bem. Tinha um caso com a prostituta, Dalva, que
lhe dava dinheiro, por isso, muitas vezes, não dormia no trapiche. Só aparecia
ao amanhecer, quando saía com os outros, para as aventuras do dia.
João-de-Adão: Estivador, negro fortíssimo e
antigo grevista, era igualmente temido e amado em toda a estiva. Através dele,
Pedro Bala soube de seu pai.
A ROSA
DO POVO -
Carlos Drummond de Andrade
Publicado em 1945, Rosa do Povo é aclamado
por inúmeros setores da crítica literária como a melhor obra de Carlos Drummond
de Andrade, o maior poeta da Literatura Brasileira e um dos três mais
importantes de toda a Língua Portuguesa. Antes que se comece a visão sobre esse
livro, necessária se faz, no entanto, uma recapitulação das características
marcantes do estilo do grande escritor mineiro.
Desde o seu “batismo de fogo” em 1928, com
a publicação do célebre "No Meio do Caminho", na Revista de
Antropofagia, Drummond ficou conhecido como "o poeta da pedra". Ao
invés de se sentir ofendido com tal apelido, de origem pejorativa, acaba
assumindo-o, transformando-o em um dos símbolos de seu fazer literário.
De fato, obedecendo a um quê de Mallarmé em
sua ascendência (principalmente no que se refere à idéia de poesia como algo
ligado à mineral), a dureza e até a frieza da pedra marcam a poesia
drummondiana, pois ela é dotada não de uma insensibilidade, mas de uma afetividade
contida.
Torna-se, portanto, um dos pilares da
poesia moderna (junto de Bandeira e João Cabral), afastando do lugar nobre de
nossa literatura o melodrama, a emoção desbragada, descontrolada e descabelada
que por muito tempo imperaram por aqui.
Dessa forma, vai sempre se mostrar um
eu-lírico discreto ao sentir o seu círculo e o seu mundo até mesmo quando vaza
críticas, muitas vezes feitas sob a perspectiva da ironia. Aliás, essa figura
de linguagem é muito comum na estética do autor, pois pode ser entendida como
uma forma torta de dizer as coisas. Não se deve esquecer que essa qualidade nos
remete ao célebre adjetivo gauche (termo francês que significa torto, sem
jeito, desajeitado), poderoso determinante da produção do autor.
Tal caráter está não só na linguagem (que
muitas vezes não tem os elementos considerados óbvios para a poesia), mas
também pode ser encontrado na maneira deslocada como se relaciona com o seu
mundo, o que pode ser justificado pela sua origem, pois é um homem de herança
rural, filho de fazendeiros, que acaba se encontrando no ambiente urbano (essa
mudança de plano é uma característica encontrada em vários escritores
modernistas, o que possibilita afirmar que Drummond, se não é o símbolo de sua
geração, é o representante do próprio Brasil, que estava se tornando urbano,
mas que carregava ainda uma forte herança rural).
No entanto, ao invés de esse seu sem jeito
tornar-se elemento pejorativo, acaba por dar-lhe uma potência fenomenal na
análise social e existencial. Posto à margem do sistema, consegue ter uma visão
mais clara e menos comprometida pela alienação dos que se preocupam em cumprir
seus compromissos rotineiros. Eis o grande feito de Rosa do Povo.
Para a compreensão dessa obra, bastante útil é
lembrar a data de sua publicação: 1945. Trata-se de uma época marcada por
crises fenomenais, como a Segunda Guerra Mundial e, mais especificamente ao
Brasil, a Ditadura Vargas. Drummond mostra-se uma antena poderosíssima que
capta o sentimento, as dores, a agonia de seu tempo. Basta ler o emblemático
"A Flor e a Náusea", uma das jóias mais preciosas da presente obra.
O SANTO
E A PORCA - Ariano Suassuna
Eudoro Vicente
manda uma carta a Eurico dizendo que lhe pedirá o seu bem mais precioso.
Na casa do
comerciante, moram a filha Margarida, a irmã de Eurico, Benona, a empregada
Caroba e, já há algum tempo, Dodó, filho do rico fazendeiro Eudoro. Dodó vive
disfarçado, finge-se de torto, deformado e sovina. Assim conquistou Eurico, que
lhe atribuiu a função de guardião da filha, quem Dodó namora às escondidas.
O desenrolar dos
fatos se desencadeira com a carta enviada por Pinhão, empregado de Eudoro e
noive de Caroba, empregada de Euricão. Eudoro informa que fará uma visita para
pedir esse bem tão precioso a Eurico, que fica apreensivo, pois pensa que lhe
pedirá dinheiro emprestado. Eurico insiste em de dizer pobre, repetindo as
frases: "Ai a crise, ai a carestia".
Na sala da casa
de Eurico, onde as cenas se desenrolam, há uma estátua de Santo Antônio, de
quem Eurico é devoto, e uma antiga porca de madeira, a quem ele dedica especial
atenção e que logo o público saberá que esconde maços de dinheiro.
Caroba, muito
esperta, percebe que Eudoro pedirá margarida em casamento, é assim que ela
entende o bem mais precioso de Eurico que o fazendeiro, pai de Dodó, quer
saber. Então ela arma um circo para alcançar alguns objetivos: ganhar algum
dinheiro, pois quer casar com Pinhão, casar Dodó e Margarida além de Eudoro e
Benona, que já tinham sido noivos há muitos anos. Eudoro, viúvo, querias
Margarida, mocinha; Benona, solteirona, queria Eudoro, fazendeiro; Margarida
queria Dodó, pois o amava; Caroba e Pinhão se queriam; Euricão queria a porca,
ou será que queria a proteção de Santo Antônio para a porca?
Caroba negocia
uma comissão com Eurico para ajudá-lo a tirar vinte contos de Eudoro Vicente,
antes que este peça dinheiro a Eurico. Acertam-se. Aí Caroba convence Benona
que Eudoro virá pedi-la em casamento e se dispõe a ajudá-la. São então tramas
de Caroba: fazer Eurico pedir vinte contos a Eudoro para o casamento (na
realidade, para um jantar); convencer Benona de que Eudoro viria pedi-la em
casamento; fazer Eudoro acreditar que pede Margarida; fazer Eurico crer que
Eudoro pede Benona; armar um encontro entre Eudoro e Margarida na penumbra;
ficar no lugar de Margarida, com o vestido dela.
Conseqüências das
armações de Caroba: Dodó sente ciúme de Margarida, pois pensa que ela irá
encontrar-se com Eudoro; Pinhão sente ciúme de Caroba quando sabe que ela irá
em lugar de Margarida; Euricão desconfia que querem roubar sua porca recheada,
pois ouve falarem em devorar porca e pensa ser a sua, quando é a do jantar que
se encomendou para receber Eudoro; Pinhão desconfia de Eurico e o observa,
porque este age estranhamente.
Na hora do
encontro entre Margarida e Eudoro, Caroba tranca Margarida no quarto, manda
Benona permanecer também no seu e vai, vestida de Margarida, receber Eudoro.
Dodó vê Caroba e pensa ver Margarida, pois está com o vestido dela. Para não
ter que se explicar, Caroba o empurra e tranca no quarto com Margarida. Caroba
então veste roupa de Benona e esta a de Margarida. Caroba então recebe Eudoro
vestida de Benona. Ele é enganado: pensa estar conversando com a antiga noiva,
que se insinua a ele, na penumbra não percebe que é Caroba. Ela o leva ao
quarto de Benona e o tranca com a ex-noiva, por quem agora já está novamente
interessado.
Pinhão ao sair do
esconderijo onde estivera observando a cena, vê Caroba e pensa ser Benona e
tenta seduzí-la. Ela reage e bate em Pinhão e o manda esperar por Caroba, que
tira as roupas de Benona e diz que acompanhou toda a cena, bate outra vez em
Pinhão, mas na confusão começam a se beijar. Aí destrancam as portas dos
quartos de Margarida e Dodó, Benona e Eudoro, e entram em outro.
Dodó e Margarida
saem do quarto e pensam ter sido surpreendidos por Eurico, que entra em casa
dizendo estar perdido.Na verdade Eurico havia saído para enterrar sua porca
recheada dentro do cemitério. A conversa entre Eurico e Dodó é engraçada, pois
ambos se enganam: Dodó fala de Margarida, enquanto Eurico fala da porca que
desapareceu. Eurico pensa que o rapaz lhe roubou a porca, já que este o traiu.
No desespero, Eurico finalmente revela que a porca estava cheia de dinheiro
guardado há tantos anos.
Com os gritos da
discussão, Pinhão e Caroba saem do quarto. Depois Eudoro e Benona do seu. A
cena é divertida: são três casais que de repente estão juntos e felizes ante
Euricão lamentando a perda da porca. Graças a Caroba os casais se entendem sem
Euricão nem Eudoro perceberem o engano de que foram vitimas. Margarida
desconfiou de Pinhão e afirmou que ele pegara a porca. Eurico lhe salta no
pescoço e Pinhão acaba contando, mas exige vinte contos para dizer onde
escondeu a porca, os vinte contos que Eurico conseguiu emprestados de Eudoro
com a ajuda de Caroba. Com o vale do dinheiro na mão, mostra a porca que estava
na casa mesmo.
Então, Eudoro faz
Eurico perceber que aquele dinheiro era velho e havia perdido o valor. Eurico
se desespera. Tentam dissuadi-lo da importância do dinheiro, mas ele manda
todos embora e fica só, com a porca e o Santo, tentando entender o que
aconteceu, qual o sentido de tudo que houvera.
Resumo adapt. Do
Site http://osantoeaporca.vilabol.uol.com.br/
Características
da Obra de Suassuna:
Quando começamos
a estudar a produção dos autos de Ariano Suassuna, não podemos dissociar esta
análise das produções do escritor Gil Vicente. Ambos possuem semelhanças
concretas, principalmente, com relação à:
1. Construção das personagens - cada
personagem representa uma classe social - que é criticada - e, por vezes,
possui um nome que o identifica a função que exerce na comunidade onde vive, ou
apelidos cômicos, como acontece com João Grilo, Chico, a mulher do padeiro,
todos do Auto da Compadecida; Gil Vicente identifica seus personagens como
mercadores, padres, pobres, etc., sempre numa alusão às classes da
hierarquização social da Era Humanista ( marca o fim da Idade Média );
2. Religiosidade - ambos os autores
reforçam a manipulação que o clero exerce sobre o povo mais simples,
compactuando com os interesses econômicos representados por coronéis, bispos
(Ariano Suassuna) e por nobres, ricos (Gil Vicente); as figuras de diabos,
anjos, Jesus e Nossa Senhora estarão presentes nas obras dos escritores, com a
devida evolução de linguagem no caso dos textos de Suassuna - dentre essas a
figura que rouba a cena é a do diabo pela sua força expressiva e sua posição de
juiz das almas já que enumera as falcatruas dos outros personagens (efetuando,
inclusive, uma rememoração da história que está sendo contada).
3. Crítica social - os períodos históricos
em que os autos são escritos apresentam características semelhantes: grande
desnivelamento social, fome, desmandos de poderosos e, em se tratando das obras
de Suassuna, há o agravante dos fatores naturais que tornam a vida do sertanejo
muito difícil.
4. Ironia - é a grande marca que
identifica os autores e é o grande recurso utilizado para elaborar a crítica.
Em Gil Vicente, há obras cuja ironia crítica serviu de modelo para as gerações
seguintes, como em Auto da Lusitânia (e os personagens "Todo o mundo"
e "Ninguém"). E em Ariano Suassuna, o mesmo será comprovado no
reconhecido Auto da compadecida, mas também em O santo e a porca e em Farsa da
boa preguiça.
Comparação
com Plauto
Na apresentação
de sua peça O Santo e a Porca (1957), Ariano Suassuna a sub-intitula de uma
"Imitação Nordestina de Plauto", referindo-se à Aululária, do autor
latino.
A palavra
imitação, usada por Suassuna, nos remete ao conceito aristotélico de mimeses,
cujo significado não representa apenas uma repetição à semelhança de algo, uma
cópia, mas a representação de uma realidade, mais precisamente de uma revelação
da essência dessa realidade.
Essa essência
está representada, nessas duas obras, pela avareza humana.
Neste trabalho,
pretendemos uma abordagem desse tema, sob o aspecto de como o objeto
depositário da avareza foi tratado pelos dois autores: a panela, em Aululária;
a porca, na comédia de Suassuna.
Optamos pelo
enfoque simbólico dessa proposta, visto que a obra de Suassuna, que se declara
uma imitação da de Plauto, mantém uma distância de mais de dois milênios da
original e está contextualizada, tanto geográfica como culturalmente, numa
distância não menor do que a temporal.
Nesse paralelo,
destacamos a trajetória dos dois objetos que constituem o eixo norteador de
toda a ação das duas peças.
Na comédia do
autor latino (Plauto Titus Maccus - 250?-184? a.C.), de influência grega e
estilo tipicamente romano, o velho avarento Euclião descobre na lareira de sua
casa uma panela cheia de moedas de ouro deixada por seu avô. O casamento de sua
filha com um velho rico é o motivo que origina toda a ação da peça. Os recursos
utilizados por Plauto dão à comédia um ritmo ágil e hilariante, cheio de
ambigüidades e desencontros. "O diálogo, como em todas as suas peças,
lembra a fala rápida da comédia musical americana (e na verdade era
representada com acompanhamento musical)" (GASSNER, 1974, p.112).
Ariano Suassuna
retoma o tema e situa-o no Nordeste. Seu protagonista chama-se Euricão Árabe.
Na contracapa do
livro de Suassuna (1984), Manuel Bandeira comenta as duas obras:
Plauto é o mais
linearmente clássico, na sua pintura de um caráter de avarento; Suassuna é o
mais complicado, não só pela maior abundância de incidentes na efabulação, como
pela evidente intenção de moralidade filosófica; (...) e os elementos
nordestinos da porca e seu protetor, o Santo (Santo Antônio) são os grandes
achados de Suassuna, e o que confere o timbre de originalidade na volta ao
velho tema.
Na seqüência das
duas narrativas, tanto a panela quanto a porca acompanham todo o ciclo de
transformação interior dos respectivos protagonistas, o que nos induz a uma
interpretação simbólica desse trajeto.
Tomamos como
símbolos, na Aululária ou O Vaso de Ouro, o Deus Lar, a lareira, o templo da
Fidelidade, o bosque de Silvano e o objeto representativo da avareza, a panela
(vaso). Em O Santo e a Porca, temos como correspondentes o Santo Antônio, a
sala, o porão, o cemitério e o objeto da avareza, a porca de madeira.
Considerando os
costumes e as crenças inerentes às duas épocas retratadas pelos autores, cabe
primeiramente um destaque à parte mística e mítica das duas peças.
Para os romanos,
os Lares eram deuses domésticos, protetores de cada família e de cada casa,
cultuados no lararium, uma espécie de oratório. Tinham um templo, no Campo de
Marte, onde eram feitos os sacrifícios e as oferendas. Interessante destacar
que, quando se tratava de sacrifício público, a vítima ofertada era o porco
(SPALDING,1982).
Euclião, até o
momento da perda de sua panela com o tesouro, invoca o deus Hércules,
identificado com o deus grego Héracles, símbolo da força combativa. Os romanos
também o tinham como divindade protetora dos bens materiais e dos bons lucros
nos negócios.
Após a perda de
seu tesouro, Euclião invoca Júpiter, que simboliza tanto a expansão material
como o enriquecimento vital.
Santo Antônio,
por sua vez, é um santo de grande devoção popular nos países de origem latina.
No Nordeste, esse santo é grandemente festejado durante as chamadas festas juninas.
É tido, também, como "santo casamenteiro".
Euricão Árabe, o
velho avarento de O Santo e a Porca, invoca o santo, questiona-o, do início ao
fim de sua aventura. Embora, em alguns momentos, oscile entre o santo e a
porca, mantém-se fiel ao santo de sua devoção. Esta oscilação poderia
representar o movimento entre espiritualidade e materialidade inerentes ao ser
humano.
Euclião, no
entanto, é a imagem da personificação da avareza. Apela para o deus ou
divindade que melhor atender à necessidade de determinado momento.
Nesse contexto de
crenças e costumes, a avareza das duas personagens está representada em dois
objetos: a panela (vaso) com o ouro de Euclião, escondida na lareira, e a
"porca de madeira, velha e feia (...) com pacotes de dinheiro"
(SUASSUNA, 1984, p.13), depositada na sala de Euricão sob a imagem de Santo
Antônio.
A lareira
expressa o simbolismo da vida em comum, do centro da casa. Seu calor e sua luz
aproximam as pessoas, é o centro da vida. Assim como a sala, tem o significado
de "um santuário, no qual se pede a proteção de Deus, celebra-se o seu
culto e guardam-se as imagens sagradas" (CHEVALIER, GHEERBRANT, 1994,
p.536).
A panela e a
porca de madeira eram guardadas, respectivamente, nesses dois ambientes
domésticos - lareira e sala -; portanto, equivalentes.
O vaso com as
moedas de ouro (a panela de Euclião) representa "um reservatório de vida
(...), o segredo da vida espiritual, o símbolo de uma força secreta". Se o
vaso for "aberto em cima, indica uma receptividade às influências celestes"
(CHEVALIER, GHEERBRANT, 1994, p.932).
Por sua vez, a
moeda traz uma imagem ambivalente: a de valor e a de alteração da verdade.
A porca,
juntamente com o porco, são considerados símbolos universais. Este representa a
impureza, a voracidade, as tendências obscuras, enquanto que a porca,
divinizada desde os egípcios, simboliza a abundância e o princípio feminino de
reprodução, de criação da vida.
Todo o sentido da
vida de Euclião e da de Euricão, simbolizado na panela guardada na lareira e na
porca de madeira guardada na sala ao pé do santo, foi ameaçado por um
acontecimento inesperado: o casamento das filhas. É o início do processo de
vivência da perda:
Euricão: Ai minha
porquinha adorada! (...) querem levar meu sangue, minha carne meu pão de cada
dia, a segurança de minha velhice, a tranqüilidade de minhas noites, a
depositária de meu amor! (SUASSUNA, 1984, p.33-34)
Diante da ameaça,
Euclião esconde seu tesouro no templo da Fidelidade, e Euricão, numa grande
cova ("socavão"), no porão de sua casa.
No plano simbólico,
o templo e a cova sintetizam o lugar dos segredos, a busca ao desconhecido.
Para os romanos, em particular, o templo era de grande importância. Lá, eles
veneravam seus deuses, acorriam para pedir graças e proteção, em troca de
sacrifícios e oferendas Era, pois, o reflexo do mundo divino e de seus
mistérios.
Impulsionados
pela ameaça da perda de seus bens, cultivados durante toda a vida, Euclião e
Euricão buscam novo esconderijo para seus tesouros. O primeiro esconde-o no
bosque de Silvano; o segundo, no cemitério da igreja.
Silvano, para os
romanos, era um deus campestre de significação ambígua: protegia a agricultura
e presidia às florestas (silva, "floresta") e, ao mesmo tempo, era
uma "espécie de bicho-papão" que causava medo às crianças.
Além de
simbolizar o inconsciente, a floresta carrega o significado do vínculo que as
árvores mantêm entre a terra (raízes) e o céu (copa).
Euricão esconde
sua porca no cemitério da igreja, num socavão entre o túmulo de sua mulher e o
muro. O socavão evoca o simbolismo da abertura para o desconhecido, no sentido
do imanente ao transcendente; o túmulo, associado à morte, é o lugar da
metamorfose, do renascimento, ou das trevas; o muro, também de significado
ambíguo, simboliza a separação e a defesa.
Podemos sintetizar
essa etapa da trajetória dos avarentos como de conflito existencial diante da
perda, em direção a uma nova visão de mundo e renovação de valores.
Euclião agradece
aos deuses, despede-se alegremente de sua panela e a dá de presente aos noivos.
Euricão, diante
da constatação da realidade (seu dinheiro não tinha mais nenhum valor),
sente-se traído pela vida. Melancolicamente, reconhece: "Um golpe do acaso
abriu meus olhos (...). Que quer dizer isso, Santo Antônio? Será que só você
tem a resposta?" (SUASSUNA, 1984, p.82).
Na comparação
simbólica das duas comédias, vimos que os elementos representativos da avareza
(a panela e a porca) podem ser associados às etapas marcantes da narrativa.
O primeiro
momento (a panela e a porca; o Deus Lar e Santo Antônio) podemos caracterizar
como o do potencial latente e inerente à natureza humana: o material e o
espiritual. O poder de acumulação e a visão desses valores são representados,
em Euclião e Euricão, pela avareza.
O segundo
momento, podemos caracterizar como o do conflito e do início da transformação
desses valores (o templo da Fidelidade e o porão): a busca ao desconhecido, ou
seja, um momento de interiorização e reflexão das personagens, sobre os valores
até então tidos como sólidos e permanentes.
O terceiro momento,
finalmente, seria o da constatação da perda. E, aqui, haveria duas
possibilidades de escolha: a da evolução ou a da involução, simbolizada pela
ambigüidade do "bosque de Silvano" e a do "cemitério da
igreja".
A escolha de
Euclião e de Euricão foi a da transformação no sentido evolutivo e de
discernimento de que os bens materiais são um meio e não um fim. Diríamos que
foi uma escolha do caminho ascendente entre a terra e o céu, entre o
transitório e o permanente.
A avareza dos
protagonistas nos remete, em contrapartida, a duas outras personagens, também
idosas (Megadoro, na Aululária, e Eudoro, em O Santo e a Porca), que não
apresentam tal característica, sendo, portanto, opostas a Euclião e Euricão.
Concluindo, lembramos as
palavras de Cícero sobre os defeitos comumente atribuídos à velhice. Diz o
orador latino que: são defeitos dos costumes, não da velhice. (...) Não
compreendo o que a avareza do ancião quer para si mesmo. Há algo de mais
absurdo que aumentar as provisões de viagem à medida que menos caminho resta?
(CÍCERO, 1980, p.81).
Em breve:
Crônicas de Origem de Luís da Câmara Cascudo e Antologia de Contos Brasileiros
– Vários autores.
Baixar o Filme - Capitães da Areia - Adaptação do romance escrito por Jorge Amado - http://mcaf.ee/u0s9q
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