Não, não, não... Não tenho nome, só tenho apelido.
Eu sou um bandido e nada me importa.
Não me basta uma porta ou uma grade, ou um muro, ou uma fortificação.
Eu tenho as minhas leis e a minha ética e elas não são as suas.
A minha carne é nua e tatuada pela vida.
Tenho balas de fuzis e de goma de mascar.
Posso até calar o meu grito, se for para você não me achar
E posso sangrar até morrer e, mesmo assim, fingir não sentir dor.
Não tenho pai, nem mãe, nem filho, nem parente.
O meu melhor amigo está doido para me matar.
Na minha boca a fumaça se esconde entre a falta de dentes,
Mas tenho um cordão no peito de puro ouro a reluzir.
Meu corpo é fechado pelos orixás e não dou as minhas costas para ninguém ver.
Tenho mais mulheres que um artista.Trato-as com carinho e com porrada.
Deixo-as largadas para ver quem vai se atrever a mexer.
Não, não tenho pena, nem dó, nem remorso, nem lamento o que já fiz.
Sou moço ainda, nem beiro os dezesseis. Mas não se atreva a duvidar da minha palavra,
Da minha força, da minha raiva, da minha fé, do meu poder.
Nem me atrevo a acreditar no amanhã,
Meu hoje é agora e a morte bate a minha porta a todo instante,
Feito um fraternal amigo, um companheiro ou uma verdadeira irmã.
Aquela cor tão branca do mais puro pó me fascina
E me visto todo de branco para contrastar com a minha negra cor.
O meu perfume predileto vem do mato mais próximo,
Da manga-rosa, da riamba, do cânhamo de folhas e flores lindas.
O meu feitiço e o meu domínio estão nos morros, nas vielas, nos becos, no matagal,
Nas esquinas, nas valas, nos mangues, em surdina, na calada da noite,
Nas grades da prisão e nos edifícios de luxo também.
No coração da morena mais bonita - dona do meu barraco.
No arrebitado bumbum da mulata que desfila na passarela – dona da minha cama.
Na loira falsificada que se finge de difícil e me olha com desdém – dona do meu tesão.
O meu cognome é você que me diz, mas ao ouvi-lo, é o primeiro a tremer.
Onde moro eu sou polícia, sou prefeito, sou vereador, sou senador e presidente.
Eu sou gerente e sou avião. Eu sou o mais justo juiz e o pior carrasco.
Idolatram-me e me amam e me odeiam e me querem e me xingam e me chamam,
O povo na rua chora por mim e os políticos me paparicam
Eu sou menino ainda, e quero ficar assim por muito tempo mais.
Pela impunidade, pela maldade precoce, por uma ONG que me protege
E pelo advogado mordaz que enriquece as minhas custas e ainda diz que toda justiça é justa
Para quem paga muito bem.
Meu nome elas gritam na cama de jornal que forro no teto de laje,
Ou no motel mais caro que pago sem pedir o troco.
Ninguém me vê, mas eu ouço todos os sons da noite
E me finjo de desprotegido quando pego ao açoite.
Eu sou viril e sou forte, apesar dos meus cinqüenta e poucos quilos.
Se duvidas, sinta o peso do meu tresoitão .
No morro, no asfalto, na viela, na avenida iluminada ou na escuridão da esquina
Eu sou o dono da morte e da vida. A minha vida é bandida.
O meu nome bandido pode ser o mesmo do seu filho,
Do seu vizinho, do seu amigo mais querido, do seu irmão.
E posso até estar no seu retrato de família sentado, sorrindo, de braços dados contigo no sofá.
O meu nome de bandido é meu, mas pode ser que no futuro o medo seja o apelido
Do desprezo, que hoje você me deu.
POETA NILSON FREIRE, Natal, 22 de março de 2001.
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