OBRAS DE LITERATURA - VESTIBULAR 2012 - UFRN


lembrete importante: este material é do Vestibular 2011 para entrar na Universidade em 2012.
O material de 2012 para 2013 está em outra postagem com mesmo nome. Assim, coloque 2013 que encontrará os textos exigidos para o Vestibular da UFRN.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
COMISSÃO PERMANENTE DO VESTIBULAR
VESTIBULAR 2012

Recomenda-se a leitura integral das seguintes obras literárias:

 Crônica: CRÔNICAS DE ORIGEM - Luís da Câmara Cascudo
 Poesia: A ROSA DO POVO - Carlos Drummond de Andrade
 Romance: MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS - Machado de Assis
 Teatro: O SANTO E A PORCA - Ariano Suassuna
 Conto: NEGRINHA - Monteiro Lobato
     Relação dos contos da obra Negrinha:
        NEGRINHA
        AS FITAS DA VIDA
        O DRAMA DA GEADA
        BUGIO MOQUEADO
        O JARDINEIRO TIMÓTEO
        O FISCO (CONTO DE NATAL)
        OS NEGROS
        BARBA AZUL
        O COLOCADOR DE PRONOMES
        UMA HISTÓRIA DE MIL ANOS
        OS PEQUENINOS
        A FACADA IMORTAL
        A POLICITEMIA DE DONA LINDOCA
        "QUERO AJUDAR O BRASIL..."
        SORTE GRANDE
        DONA EXPEDITA
        HERDEIRO DE SI MESMO

ATENÇÃO ESTUDANTES, PRÓXIMA QUINTA E SEXTA (26 e 27/05/2011) INSCRIÇÃO DO ENEM NA ESCOLA EST. MARIA OCILA  BEZERRIL - NÃO PERCAM OS PRAZOS E LEVEM DOCUMENTOS. DIRETOR MARCOS TAVARES.

VEJA ABAIXO OS RESUMOS DAS OBRAS, EXCETO A DE CÂMARA CASCUDO.


A ROSA DO POVO - Carlos Drummond de Andrade
Publicado em 1945, Rosa do Povo é aclamado por inúmeros setores da crítica literária como a melhor obra de Carlos Drummond de Andrade, o maior poeta da Literatura Brasileira e um dos três mais importantes de toda a Língua Portuguesa. Antes que se comece a visão sobre esse livro, necessária se faz, no entanto, uma recapitulação das características marcantes do estilo do grande escritor mineiro.
Desde o seu “batismo de fogo” em 1928, com a publicação do célebre "No Meio do Caminho", na Revista de Antropofagia, Drummond ficou conhecido como "o poeta da pedra". Ao invés de se sentir ofendido com tal apelido, de origem pejorativa, acaba assumindo-o, transformando-o em um dos símbolos de seu fazer literário.
De fato, obedecendo a um quê de Mallarmé em sua ascendência (principalmente no que se refere à idéia de poesia como algo ligado à mineral), a dureza e até a frieza da pedra marcam a poesia drummondiana, pois ela é dotada não de uma insensibilidade, mas de uma afetividade contida.
Torna-se, portanto, um dos pilares da poesia moderna (junto de Bandeira e João Cabral), afastando do lugar nobre de nossa literatura o melodrama, a emoção desbragada, descontrolada e descabelada que por muito tempo imperaram por aqui.
Dessa forma, vai sempre se mostrar um eu-lírico discreto ao sentir o seu círculo e o seu mundo até mesmo quando vaza críticas, muitas vezes feitas sob a perspectiva da ironia. Aliás, essa figura de linguagem é muito comum na estética do autor, pois pode ser entendida como uma forma torta de dizer as coisas. Não se deve esquecer que essa qualidade nos remete ao célebre adjetivo gauche (termo francês que significa torto, sem jeito, desajeitado), poderoso determinante da produção do autor.
Tal caráter está não só na linguagem (que muitas vezes não tem os elementos considerados óbvios para a poesia), mas também pode ser encontrado na maneira deslocada como se relaciona com o seu mundo, o que pode ser justificado pela sua origem, pois é um homem de herança rural, filho de fazendeiros, que acaba se encontrando no ambiente urbano (essa mudança de plano é uma característica encontrada em vários escritores modernistas, o que possibilita afirmar que Drummond, se não é o símbolo de sua geração, é o representante do próprio Brasil, que estava se tornando urbano, mas que carregava ainda uma forte herança rural).
No entanto, ao invés de esse seu sem jeito tornar-se elemento pejorativo, acaba por dar-lhe uma potência fenomenal na análise social e existencial. Posto à margem do sistema, consegue ter uma visão mais clara e menos comprometida pela alienação dos que se preocupam em cumprir seus compromissos rotineiros. Eis o grande feito de Rosa do Povo.
Para a compreensão dessa obra, bastante útil é lembrar a data de sua publicação: 1945. Trata-se de uma época marcada por crises fenomenais, como a Segunda Guerra Mundial e, mais especificamente ao Brasil, a Ditadura Vargas. Drummond mostra-se uma antena poderosíssima que capta o sentimento, as dores, a agonia de seu tempo. Basta ler o emblemático "A Flor e a Náusea", uma das jóias mais preciosas da presente obra.

A FLOR E A NÁUSEA
Preso à minha classe e a algumas roupas, vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?
Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre fundem-se no mesmo impasse.
Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.
Uma flor nasceu na rua!
Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres, mas levam jornais.
E soletram o mundo, sabendo que o perdem.
Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.
Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo e dou a poucos uma esperança mínima.
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios, garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.
Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.
Nota-se no poema um eu-lírico mergulhado num mundo sufocante, em que tudo é igualado a mercadoria, tudo é tratado como matéria de consumo. Em meio a essa angústia, a existência corre o risco de se mostrar inútil, insignificante, o que justificaria a náusea, o mal-estar. Tudo se torna baixo, vil, marcado por "fezes, maus poemas, alucinações".
No entanto, em meio a essa clausura sócio-existencial (que pode ser representada pela imagem, na terceira estrofe, do muro), o poeta vislumbra uma saída. Não se trata de idealismo ou mesmo de alienação - o poeta já deu sinais claros no texto de que não é capaz disso. Ou seja, não está imaginando, fantasiando uma mudança - ela de fato está para ocorrer, tanto que já é vislumbrada na última estrofe, com o anúncio de nuvens avolumando-se e das galinhas em pânico. É o nascimento da rosa, símbolo do desabrochar de um mundo novo, o que mantém o poeta vivo em meio a tanto desencanto.
Dois pontos ainda merecem ser observados no presente poema. O primeiro é o fato de que ele, além de ser o resumo das grandes temáticas da obra, acaba por explicar o seu título. Basta notar que, conforme dito no parágrafo anterior, a rosa indica o desabrochar de uma nova realidade, tão esperada pelo poeta.
E a expressão "do povo" pode estar ligada a uma tendência esquerdista, socialista, muito presente em vários momentos do livro e anunciadas pela crítica ao universo capitalista na primeira ("Melancolias, mercadorias espreitam-me.") e terceira estrofes ("Sob a pele das palavras há cifras e códigos."). O novo mundo, portanto, teria características socialistas.
O outro item é visto pelo estreito relacionamento que "A Flor e a Náusea" estabelece com o poema a seguir, "Áporo", um dos mais estudados, densos, complexos e enigmáticos da Literatura Brasileira.

ÁPORO
Um inseto cava cava sem alarme perfurando a terra sem achar escape.
Que fazer, exausto, em país bloqueado, enlace de noite raiz e minério?
Eis que o labirinto (oh razão, mistério) presto se desata: em verde, sozinha, antieuclidiana, uma orquídea forma-se.
Note que a narrativa parece ser tirada de "A Flor e a Náusea": um inseto, o áporo, cava a terra sem achar saída. Assemelha-se ao eu-lírico do outro poema, que se via diante de um muro e da inutilidade do discurso. No entanto, Drummond continua discursando, vivendo, assim como o inseto continua cavando. Então, do impossível surge a transformação: do asfalto surge a flor, da terra-labirinto-beco surge a orquídea.
Há algo aqui que faz lembrar o poema "Elefante", também no mesmo volume. Da mesma forma como Drummond fabrica seu brinquedo, mandando-o para o mundo, de onde retorna destruído (mas no dia seguinte o esforço se repete), o eu-lírico de "A Flor e a Náusea" sobrevive em seu cotidiano nulo e nauseante e o áporo perfura a terra. É a temática do "no entanto, continuamos e devemos continuar vivendo", tão comum em vários momentos de A Rosa do Povo.
"Áporo", portanto, é um poema tão rico que pode ter outras leituras, além dessa de teor existencial. Há também, por exemplo, a interpretação política, que enxerga uma referência a Luís Carlos Prestes ("presto se desata"), que acabara de ser libertado pelo regime ditatorial. A figura histórica pode ser vista, portanto, como um áporo buscando caminho na pátria sem saída que se tornou o Brasil na Era Vargas.
Ainda assim, existe quem veja no texto um mero - e inigualável - exercício lúdico, em que as palavras são contempladas, manipuladas, transformadas. Basta lembrar, por exemplo, que "áporo", além de ser a designação do inseto cavador, é também um termo usado em filosofia e matemática para uma situação, um problema sem solução, sem saída. Além disso, a essência etimológica da palavra inseto é justamente as letras "s" e "e", diluídas no corpo do texto.

Observe como tal pode ser esquematizado:
Um inSEto cava
cava SEm alarme
perfurando a terra
SEm achar EScape.
Que faZEr, ExauSto,
Em paíS bloqueado,
enlaCE de noite
raiZ E minério?
EiS que o labirinto
(oh razão, miStÉrio)
prESto SE dESata:
em verdE, Sozinha,
antieuclidiana,
uma orquídea forma-SE.

Note que a essência do áporo, do inseto, vai se movimentando em todo o poema, transformando-se, até o ápice do último verso da terceira estrofe. É o momento da transformação e da iniciação, já anunciadas na segunda estrofe na aliteração do /s/ e do /t/ e da assonância do /e/ que acabam criando a forma verbal "encete" (ENlaCE de noiTE), que significa principiar, mas que possui também uma forte aproximação sonora com "inseto". A mutação final virá no último verso: o áporo inseto se transforma em áporo orquídea ("áporo" é também o nome de um determinado tipo de orquídea), a flor que se desabrocha para a libertação.
Tanto que a raiz SE está prestes a se libertar, pois virou a forma pronominal "se" (e, portanto, com relativa vida própria) que encerra o poema. Tal trabalho com a linguagem é a base de todo texto poético, como é defendido pelo próprio Drummond em "Procura da Poesia", transcrito abaixo:

PROCURA DA POESIA
Não faça versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático, não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo, esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.
Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos, que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.
Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é a música ouvida de passagem; rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.
O canto não é a natureza nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas) elide sujeito e objeto.
Não dramatizes, não invoques, não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante, vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.
Não recomponhas tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero, há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume com seu poder de palavra e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
Como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada no espaço.
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta, pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Repara: ermas de melodia e conceito elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono, rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.
Esse antológico poema é dividido em duas partes. Na primeira apresentam-se proibições sobre o que não deve ser a preocupação de quem estiver pretendendo fazer poesia. Sua matéria-prima, de acordo com o raciocínio exibido, não são as emoções, a memória, o meio social, o corpo.
Na segunda parte explica-se qual é a essência da poesia: o trabalho com a linguagem. O poema pode até apresentar temática social, existencial, laudatória, emotiva, mas tem de, acima de tudo, dar atenção à elaboração do texto, ou seja, saber lidar com a função poética da linguagem.
A riqueza de A Rosa do Povo não se restringe, porém, às temáticas abordadas. Há uma profusão de outros assuntos, como a abordagem da cidade natal ("Nova Canção do Exílio", em que há uma reinterpretação do "Canção do Exílio", de Gonçalves Dias), a observação do problemático cotidiano social ("Morte do Leiteiro", em que o protagonista, que dá nome ao poema, acaba sendo assassinado em pleno exercício de sua função por ser confundido com um ladrão, o que possibilita uma crítica às relações sociais esgarçadas pelo medo), a rememoração dos parentes
("Retrato de Família", em que o eu-lírico percebe a viagem através da carne e do tempo de uma constante eterna ligada à idéia de família) e o amor como experiência difícil, o famoso amar amaro ("Caso de Vestido", em que o eu-lírico, uma mulher, narra o sofrimento por que passou quando da perda do seu marido e quando também da recuperação dele).
Em suma, Rosa do Povo é obra monumental que merece não apenas ser lida para um vestibular, mas fruída para se tornar uma das grandes experiências de nossa existência.

MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS - Machado de Assis
Escrita após sua morte por um narrador-personagem, Brás Cubas, esta memórias póstumas... constituem um grandioso romance, de leitura difícil mais profundamente enriquecedora. O fato de Brás Cubas colocar-se como um ´´defunto autor``, isto é, como alguém que conta sua vida de além-túmulo, dá-nos a impressão, de que este relato seria caracterizado pela isenção, pela imparcialidade de quem já não tem necessidade de mentir, pois deixou o mundo e todas as suas ilusões. Entretanto, esta é uma das famosas armadilhas machadianas contra a credulidade do leitor ingênuo e romântico da sua época.
No capítulo XI do romance - O menino é o pai do homem - Brás Cubas relata sua infância: “cresci naturalmente, como crescem as magnólias e os gatos”. No entanto, o próprio narrador-personagem nega tal naturalidade, numa das típicas ironias machadianas: “Talvez os gatos são menos matreiros e, com certeza,as magnólias são menos inquietas do que eu era na minha infância”.
De acordo com a malícia que sugere a respeito de si próprio, Brás Cubas foi um menino matreiro, merecedor do apelido de ´´menino-diabo`` que lhe fora dado: maltratava os escravos, mentia, escondia os chapéus das visitas, colocava rabo de papel em pessoas graves, puxava cabelos, dava beliscões, enfim, possuía temperamento maligno, contando invariavelmente com a cumplicidade do pai, que o superprotegia, e com a fraqueza da mãe, sempre omissa em relação a ele...
Crescendo neste contexto familiar que o favorece e justifica-lhe as traquinagens, tranforma-se num adulto egocêntrico, mentiroso, cínico, entediado e petulante, atribuindo-se uma importância indevida, para assim disfarçar a sequência de fracassos a que, de fato, sua vida se reduziu.
Na juventude, envolve-se com Marcela, uma cortesã espanhola que o ama “durante quinze meses e onze contos de réis”. O pai, assustado com os gastos do filho, manda-o à Europa para estudos aos quais pouco se dedica. Ao retornar, almeja casar-se com Virgília, num negócio também arranjado pelo pai, que pretende torná-lo deputado. Ambos os projetos falham: Brás Cubas perde a noiva e o cargo para Lobo Neves. Mais tarde, almejando ser ministro, o que consegue é o amor adúltero de Virgília e o cargo de deputado.
Nha Loló(Eulália), outra possibilidade de casamento, agora arranjada pela irmã, que morre vitimada por uma epidemia. Quincas Borba, um colega de infância que se diz filósofo, visita-o rouba-lhe o relógio e desaparece, para retornar tempos depois, enriquecido graças a uma herança. Devolve-lhe então o relógio, conta-lhe sobre o Humanitismo, teoria filosófica que inventa, e mais tarde enlouquece.
Inventar um emplastro contra a hiponcondria - a seu ver um remédio miraculoso que curaria os males da humanidade - constitui a última tentativa de Brás Cubas, o seu último projeto, sem sucesso como todos os outros. O que impede de realizá-lo é a morte, causada pela pneumonia que, ironicamente, contrai ao sair de casa, a fim de patentar o invento...

O SANTO E A PORCA - Ariano Suassuna
Eudoro Vicente manda uma carta a Eurico dizendo que lhe pedirá o seu bem mais precioso.
Na casa do comerciante, moram a filha Margarida, a irmã de Eurico, Benona, a empregada Caroba e, já há algum tempo, Dodó, filho do rico fazendeiro Eudoro. Dodó vive disfarçado, finge-se de torto, deformado e sovina. Assim conquistou Eurico, que lhe atribuiu a função de guardião da filha, quem Dodó namora às escondidas.
O desenrolar dos fatos se desencadeira com a carta enviada por Pinhão, empregado de Eudoro e noive de Caroba, empregada de Euricão. Eudoro informa que fará uma visita para pedir esse bem tão precioso a Eurico, que fica apreensivo, pois pensa que lhe pedirá dinheiro emprestado. Eurico insiste em de dizer pobre, repetindo as frases: "Ai a crise, ai a carestia".
Na sala da casa de Eurico, onde as cenas se desenrolam, há uma estátua de Santo Antônio, de quem Eurico é devoto, e uma antiga porca de madeira, a quem ele dedica especial atenção e que logo o público saberá que esconde maços de dinheiro.
Caroba, muito esperta, percebe que Eudoro pedirá margarida em casamento, é assim que ela entende o bem mais precioso de Eurico que o fazendeiro, pai de Dodó, quer saber. Então ela arma um circo para alcançar alguns objetivos: ganhar algum dinheiro, pois quer casar com Pinhão, casar Dodó e Margarida além de Eudoro e Benona, que já tinham sido noivos há muitos anos. Eudoro, viúvo, querias Margarida, mocinha; Benona, solteirona, queria Eudoro, fazendeiro; Margarida queria Dodó, pois o amava; Caroba e Pinhão se queriam; Euricão queria a porca, ou será que queria a proteção de Santo Antônio para a porca?
Caroba negocia uma comissão com Eurico para ajudá-lo a tirar vinte contos de Eudoro Vicente, antes que este peça dinheiro a Eurico. Acertam-se. Aí Caroba convence Benona que Eudoro virá pedi-la em casamento e se dispõe a ajudá-la. São então tramas de Caroba: fazer Eurico pedir vinte contos a Eudoro para o casamento (na realidade, para um jantar); convencer Benona de que Eudoro viria pedi-la em casamento; fazer Eudoro acreditar que pede Margarida; fazer Eurico crer que Eudoro pede Benona; armar um encontro entre Eudoro e Margarida na penumbra; ficar no lugar de Margarida, com o vestido dela.
Conseqüências das armações de Caroba: Dodó sente ciúme de Margarida, pois pensa que ela irá encontrar-se com Eudoro; Pinhão sente ciúme de Caroba quando sabe que ela irá em lugar de Margarida; Euricão desconfia que querem roubar sua porca recheada, pois ouve falarem em devorar porca e pensa ser a sua, quando é a do jantar que se encomendou para receber Eudoro; Pinhão desconfia de Eurico e o observa, porque este age estranhamente.
Na hora do encontro entre Margarida e Eudoro, Caroba tranca Margarida no quarto, manda Benona permanecer também no seu e vai, vestida de Margarida, receber Eudoro. Dodó vê Caroba e pensa ver Margarida, pois está com o vestido dela. Para não ter que se explicar, Caroba o empurra e tranca no quarto com Margarida. Caroba então veste roupa de Benona e esta a de Margarida. Caroba então recebe Eudoro vestida de Benona. Ele é enganado: pensa estar conversando com a antiga noiva, que se insinua a ele, na penumbra não percebe que é Caroba. Ela o leva ao quarto de Benona e o tranca com a ex-noiva, por quem agora já está novamente interessado.
Pinhão ao sair do esconderijo onde estivera observando a cena, vê Caroba e pensa ser Benona e tenta seduzí-la. Ela reage e bate em Pinhão e o manda esperar por Caroba, que tira as roupas de Benona e diz que acompanhou toda a cena, bate outra vez em Pinhão, mas na confusão começam a se beijar. Aí destrancam as portas dos quartos de Margarida e Dodó, Benona e Eudoro, e entram em outro.
Dodó e Margarida saem do quarto e pensam ter sido surpreendidos por Eurico, que entra em casa dizendo estar perdido.Na verdade Eurico havia saído para enterrar sua porca recheada dentro do cemitério. A conversa entre Eurico e Dodó é engraçada, pois ambos se enganam: Dodó fala de Margarida, enquanto Eurico fala da porca que desapareceu. Eurico pensa que o rapaz lhe roubou a porca, já que este o traiu. No desespero, Eurico finalmente revela que a porca estava cheia de dinheiro guardado há tantos anos.
Com os gritos da discussão, Pinhão e Caroba saem do quarto. Depois Eudoro e Benona do seu. A cena é divertida: são três casais que de repente estão juntos e felizes ante Euricão lamentando a perda da porca. Graças a Caroba os casais se entendem sem Euricão nem Eudoro perceberem o engano de que foram vitimas. Margarida desconfiou de Pinhão e afirmou que ele pegara a porca. Eurico lhe salta no pescoço e Pinhão acaba contando, mas exige vinte contos para dizer onde escondeu a porca, os vinte contos que Eurico conseguiu emprestados de Eudoro com a ajuda de Caroba. Com o vale do dinheiro na mão, mostra a porca que estava na casa mesmo.
Então, Eudoro faz Eurico perceber que aquele dinheiro era velho e havia perdido o valor. Eurico se desespera. Tentam dissuadi-lo da importância do dinheiro, mas ele manda todos embora e fica só, com a porca e o Santo, tentando entender o que aconteceu, qual o sentido de tudo que houvera.
Resumo adapt. Do Site http://osantoeaporca.vilabol.uol.com.br/

Características da Obra de Suassuna:
Quando começamos a estudar a produção dos autos de Ariano Suassuna, não podemos dissociar esta análise das produções do escritor Gil Vicente. Ambos possuem semelhanças concretas, principalmente, com relação à:
1. Construção das personagens - cada personagem representa uma classe social - que é criticada - e, por vezes, possui um nome que o identifica a função que exerce na comunidade onde vive, ou apelidos cômicos, como acontece com João Grilo, Chico, a mulher do padeiro, todos do Auto da Compadecida; Gil Vicente identifica seus personagens como mercadores, padres, pobres, etc., sempre numa alusão às classes da hierarquização social da Era Humanista ( marca o fim da Idade Média );
2. Religiosidade - ambos os autores reforçam a manipulação que o clero exerce sobre o povo mais simples, compactuando com os interesses econômicos representados por coronéis, bispos (Ariano Suassuna) e por nobres, ricos (Gil Vicente); as figuras de diabos, anjos, Jesus e Nossa Senhora estarão presentes nas obras dos escritores, com a devida evolução de linguagem no caso dos textos de Suassuna - dentre essas a figura que rouba a cena é a do diabo pela sua força expressiva e sua posição de juiz das almas já que enumera as falcatruas dos outros personagens (efetuando, inclusive, uma rememoração da história que está sendo contada).
3. Crítica social - os períodos históricos em que os autos são escritos apresentam características semelhantes: grande desnivelamento social, fome, desmandos de poderosos e, em se tratando das obras de Suassuna, há o agravante dos fatores naturais que tornam a vida do sertanejo muito difícil.
4. Ironia - é a grande marca que identifica os autores e é o grande recurso utilizado para elaborar a crítica. Em Gil Vicente, há obras cuja ironia crítica serviu de modelo para as gerações seguintes, como em Auto da Lusitânia (e os personagens "Todo o mundo" e "Ninguém"). E em Ariano Suassuna, o mesmo será comprovado no reconhecido Auto da compadecida, mas também em O santo e a porca e em Farsa da boa preguiça.

Comparação com Plauto
Na apresentação de sua peça O Santo e a Porca (1957), Ariano Suassuna a sub-intitula de uma "Imitação Nordestina de Plauto", referindo-se à Aululária, do autor latino.
A palavra imitação, usada por Suassuna, nos remete ao conceito aristotélico de mimeses, cujo significado não representa apenas uma repetição à semelhança de algo, uma cópia, mas a representação de uma realidade, mais precisamente de uma revelação da essência dessa realidade.
Essa essência está representada, nessas duas obras, pela avareza humana.
Neste trabalho, pretendemos uma abordagem desse tema, sob o aspecto de como o objeto depositário da avareza foi tratado pelos dois autores: a panela, em Aululária; a porca, na comédia de Suassuna.
Optamos pelo enfoque simbólico dessa proposta, visto que a obra de Suassuna, que se declara uma imitação da de Plauto, mantém uma distância de mais de dois milênios da original e está contextualizada, tanto geográfica como culturalmente, numa distância não menor do que a temporal.
Nesse paralelo, destacamos a trajetória dos dois objetos que constituem o eixo norteador de toda a ação das duas peças.
Na comédia do autor latino (Plauto Titus Maccus - 250?-184? a.C.), de influência grega e estilo tipicamente romano, o velho avarento Euclião descobre na lareira de sua casa uma panela cheia de moedas de ouro deixada por seu avô. O casamento de sua filha com um velho rico é o motivo que origina toda a ação da peça. Os recursos utilizados por Plauto dão à comédia um ritmo ágil e hilariante, cheio de ambigüidades e desencontros. "O diálogo, como em todas as suas peças, lembra a fala rápida da comédia musical americana (e na verdade era representada com acompanhamento musical)" (GASSNER, 1974, p.112).
Ariano Suassuna retoma o tema e situa-o no Nordeste. Seu protagonista chama-se Euricão Árabe.
Na contracapa do livro de Suassuna (1984), Manuel Bandeira comenta as duas obras:
Plauto é o mais linearmente clássico, na sua pintura de um caráter de avarento; Suassuna é o mais complicado, não só pela maior abundância de incidentes na efabulação, como pela evidente intenção de moralidade filosófica; (...) e os elementos nordestinos da porca e seu protetor, o Santo (Santo Antônio) são os grandes achados de Suassuna, e o que confere o timbre de originalidade na volta ao velho tema.
Na seqüência das duas narrativas, tanto a panela quanto a porca acompanham todo o ciclo de transformação interior dos respectivos protagonistas, o que nos induz a uma interpretação simbólica desse trajeto.
Tomamos como símbolos, na Aululária ou O Vaso de Ouro, o Deus Lar, a lareira, o templo da Fidelidade, o bosque de Silvano e o objeto representativo da avareza, a panela (vaso). Em O Santo e a Porca, temos como correspondentes o Santo Antônio, a sala, o porão, o cemitério e o objeto da avareza, a porca de madeira.
Considerando os costumes e as crenças inerentes às duas épocas retratadas pelos autores, cabe primeiramente um destaque à parte mística e mítica das duas peças.
Para os romanos, os Lares eram deuses domésticos, protetores de cada família e de cada casa, cultuados no lararium, uma espécie de oratório. Tinham um templo, no Campo de Marte, onde eram feitos os sacrifícios e as oferendas. Interessante destacar que, quando se tratava de sacrifício público, a vítima ofertada era o porco (SPALDING,1982).
Euclião, até o momento da perda de sua panela com o tesouro, invoca o deus Hércules, identificado com o deus grego Héracles, símbolo da força combativa. Os romanos também o tinham como divindade protetora dos bens materiais e dos bons lucros nos negócios.
Após a perda de seu tesouro, Euclião invoca Júpiter, que simboliza tanto a expansão material como o enriquecimento vital.
Santo Antônio, por sua vez, é um santo de grande devoção popular nos países de origem latina. No Nordeste, esse santo é grandemente festejado durante as chamadas festas juninas. É tido, também, como "santo casamenteiro".
Euricão Árabe, o velho avarento de O Santo e a Porca, invoca o santo, questiona-o, do início ao fim de sua aventura. Embora, em alguns momentos, oscile entre o santo e a porca, mantém-se fiel ao santo de sua devoção. Esta oscilação poderia representar o movimento entre espiritualidade e materialidade inerentes ao ser humano.
Euclião, no entanto, é a imagem da personificação da avareza. Apela para o deus ou divindade que melhor atender à necessidade de determinado momento.
Nesse contexto de crenças e costumes, a avareza das duas personagens está representada em dois objetos: a panela (vaso) com o ouro de Euclião, escondida na lareira, e a "porca de madeira, velha e feia (...) com pacotes de dinheiro" (SUASSUNA, 1984, p.13), depositada na sala de Euricão sob a imagem de Santo Antônio.
A lareira expressa o simbolismo da vida em comum, do centro da casa. Seu calor e sua luz aproximam as pessoas, é o centro da vida. Assim como a sala, tem o significado de "um santuário, no qual se pede a proteção de Deus, celebra-se o seu culto e guardam-se as imagens sagradas" (CHEVALIER, GHEERBRANT, 1994, p.536).
A panela e a porca de madeira eram guardadas, respectivamente, nesses dois ambientes domésticos - lareira e sala -; portanto, equivalentes.
O vaso com as moedas de ouro (a panela de Euclião) representa "um reservatório de vida (...), o segredo da vida espiritual, o símbolo de uma força secreta". Se o vaso for "aberto em cima, indica uma receptividade às influências celestes" (CHEVALIER, GHEERBRANT, 1994, p.932).
Por sua vez, a moeda traz uma imagem ambivalente: a de valor e a de alteração da verdade.
A porca, juntamente com o porco, são considerados símbolos universais. Este representa a impureza, a voracidade, as tendências obscuras, enquanto que a porca, divinizada desde os egípcios, simboliza a abundância e o princípio feminino de reprodução, de criação da vida.
Todo o sentido da vida de Euclião e da de Euricão, simbolizado na panela guardada na lareira e na porca de madeira guardada na sala ao pé do santo, foi ameaçado por um acontecimento inesperado: o casamento das filhas. É o início do processo de vivência da perda:
Euricão: Ai minha porquinha adorada! (...) querem levar meu sangue, minha carne meu pão de cada dia, a segurança de minha velhice, a tranqüilidade de minhas noites, a depositária de meu amor! (SUASSUNA, 1984, p.33-34)
Diante da ameaça, Euclião esconde seu tesouro no templo da Fidelidade, e Euricão, numa grande cova ("socavão"), no porão de sua casa.
No plano simbólico, o templo e a cova sintetizam o lugar dos segredos, a busca ao desconhecido. Para os romanos, em particular, o templo era de grande importância. Lá, eles veneravam seus deuses, acorriam para pedir graças e proteção, em troca de sacrifícios e oferendas Era, pois, o reflexo do mundo divino e de seus mistérios.
Impulsionados pela ameaça da perda de seus bens, cultivados durante toda a vida, Euclião e Euricão buscam novo esconderijo para seus tesouros. O primeiro esconde-o no bosque de Silvano; o segundo, no cemitério da igreja.
Silvano, para os romanos, era um deus campestre de significação ambígua: protegia a agricultura e presidia às florestas (silva, "floresta") e, ao mesmo tempo, era uma "espécie de bicho-papão" que causava medo às crianças.
Além de simbolizar o inconsciente, a floresta carrega o significado do vínculo que as árvores mantêm entre a terra (raízes) e o céu (copa).
Euricão esconde sua porca no cemitério da igreja, num socavão entre o túmulo de sua mulher e o muro. O socavão evoca o simbolismo da abertura para o desconhecido, no sentido do imanente ao transcendente; o túmulo, associado à morte, é o lugar da metamorfose, do renascimento, ou das trevas; o muro, também de significado ambíguo, simboliza a separação e a defesa.
Podemos sintetizar essa etapa da trajetória dos avarentos como de conflito existencial diante da perda, em direção a uma nova visão de mundo e renovação de valores.
Euclião agradece aos deuses, despede-se alegremente de sua panela e a dá de presente aos noivos.
Euricão, diante da constatação da realidade (seu dinheiro não tinha mais nenhum valor), sente-se traído pela vida. Melancolicamente, reconhece: "Um golpe do acaso abriu meus olhos (...). Que quer dizer isso, Santo Antônio? Será que só você tem a resposta?" (SUASSUNA, 1984, p.82).
Na comparação simbólica das duas comédias, vimos que os elementos representativos da avareza (a panela e a porca) podem ser associados às etapas marcantes da narrativa.
O primeiro momento (a panela e a porca; o Deus Lar e Santo Antônio) podemos caracterizar como o do potencial latente e inerente à natureza humana: o material e o espiritual. O poder de acumulação e a visão desses valores são representados, em Euclião e Euricão, pela avareza.
O segundo momento, podemos caracterizar como o do conflito e do início da transformação desses valores (o templo da Fidelidade e o porão): a busca ao desconhecido, ou seja, um momento de interiorização e reflexão das personagens, sobre os valores até então tidos como sólidos e permanentes.
O terceiro momento, finalmente, seria o da constatação da perda. E, aqui, haveria duas possibilidades de escolha: a da evolução ou a da involução, simbolizada pela ambigüidade do "bosque de Silvano" e a do "cemitério da igreja".
A escolha de Euclião e de Euricão foi a da transformação no sentido evolutivo e de discernimento de que os bens materiais são um meio e não um fim. Diríamos que foi uma escolha do caminho ascendente entre a terra e o céu, entre o transitório e o permanente.
A avareza dos protagonistas nos remete, em contrapartida, a duas outras personagens, também idosas (Megadoro, na Aululária, e Eudoro, em O Santo e a Porca), que não apresentam tal característica, sendo, portanto, opostas a Euclião e Euricão.
Concluindo, lembramos as palavras de Cícero sobre os defeitos comumente atribuídos à velhice. Diz o orador latino que: são defeitos dos costumes, não da velhice. (...) Não compreendo o que a avareza do ancião quer para si mesmo. Há algo de mais absurdo que aumentar as provisões de viagem à medida que menos caminho resta? (CÍCERO, 1980, p.81).

NEGRINHA (CONTOS) – Monteiro Lobato
Monteiro Lobato, natural de Taubaté (SP), nasceu em 18/04/1882. É uma das figuras excepcionais das letras brasileiras. Jornalista, contista, criador de deliciosas histórias para crianças, suscitador de problemas, ensaísta e homem de ação, encheu com seu nome um largo período da vida nacional. Com a publicação do livro de contos "Urupês", em julho de 1918, quando já contava com 36 anos de idade, chama para o seu talento de escritor a atenção de todo o país. Cita-o Ruy Barbosa, em discurso, encontrando no seu Jeca Tatu um símbolo da realidade rural brasileira. Lança-se à indústria editorial, publica livros e mais livros — "Onda Verde", "Idéias de Jeca Tatu", "Cidades Mortas", "Negrinha", "Fábulas", "O Choque", etc. Fracassa como editor, ao lançar a firma Monteiro Lobato & Cia., mas volta com a Companhia Editora Nacional, ao lado de Octales Marcondes, e triunfa. Tenta a exploração de petróleo, e acaba na cadeia, perseguido pela ditadura de Getúlio Vargas.
Não só escreve, como traduz sem pausa, dezenas e dezenas de livros, especialmente de Kipling. Uma vida cheia. E uma grande obra, que lhe preservará o nome glorioso. Foi um grande homem, um grande brasileiro e um dos maiores escritores — em todo o mundo — de histórias para crianças. Basta dizer que, no período de 1925 a 1950 foram vendidos aproximadamente um milhão e quinhentos mil exemplares de seus livros. Era, de fato, um ser plural: escritor precursor do realismo fantástico, escritor de cartas, escritor de obras infantis, ensaísta, crítico de arte e literatura, pintor, jornalista, empresário, fazendeiro, advogado, sociólogo, tradutor, diplomata, etc.
Faleceu na cidade de São Paulo (SP), no dia 04 de julho de 1948. Monteiro Lobato foi tão importante pelo que foi e o que fez quanto pelo que escreveu. O que foi e fez: foi empresário, editor e estimulou definitivamente a leitura no Brasil; foi uma das mais importantes e críticas mentes do início do século XX; defendeu bravamente as pesquisas em busca de poços de petróleo no Brasil, sendo ele próprio responsável pela perfuração de um; atacou duramente a condição de atraso em que se encontrava o interior do estado de São Paulo, especialmente o Vale do Paraíba; foi iconoclasta e envolveu-se na célebre polêmica com a pintora Anita Malfatti, fato que desencadeou as ações dos modernistas para a realização da Semana de Arte Moderna.
O que escreveu: sua literatura adulta apresenta de forma crítica os problemas do Brasil, em especial o atraso econômico e o descaso dos governantes com as classes menos favorecidas; criou a figura imortal do Jeca Tatu, o caipira preguiçoso, que colhe todos os frutos da lei do menor esforço, que sintetiza o modo de ser do brasileiro rural.
No universo infantil, Lobato criou o mágico mundo do Sítio do Pica-pau Amarelo, revitalizando e revolucionando a literatura infanto-juvenil no Brasil. Em Negrinha, Lobato nos apresenta seu talento como contador de causos, histórias da gente da roça, dos mais poderosos e dos mais simples, criando obras-primas do conto brasileiro, em especial O Colocador de Pronomes, grandiosa crítica à retrógrada gramática do português.

RESUMO DOS CONTOS DE NEGRINHA
NEGRINHA – é uma narrativa em terceira pessoa, impregnada de uma carga emocional muito forte. Sem dúvida alguma é conto invejável: "Negrinha era uma pobre órfã de sete anos. Preta? Não; fusca, mulatinha escura, de cabelos ruços e olhos assustados. Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros anos vivera-os pelos cantos escuros da cozinha, sobre velha esteira e trapos imundos. Sempre escondida, que a patroa não gostava de crianças." D. Inácia era viúva sem filhos e não suportava choro de crianças. Se Negrinha, bebezinho, chorava nos braços da mãe, a mulher gritava: "Quem é a peste que está chorando aí?" A mãe, desesperada, abafava o choro do bebê, e afastando-se com ela para os fundos da casa, torcia-lhe belicões desesperados. O choro não era sem razão: era fome, era frio: "Assim cresceu Negrinha magra, atrofiada, com os olhos eternamente assustados. Órfã aos quatro anos, por ali ficou feito gato sem dono, levada a pontapés.
Não compreendia a idéia dos grandes. Batiam-lhe sempre, por ação ou omissão. A mesma coisa, o mesmo ato, a mesma palavra, provocava ora risadas, ora castigos. Aprendeu a andar, mas quase não andava. Com pretexto de que às soltas reinaria no quintal, estragando as plantas, a boa senhora punha-a na sala, ao pé de si, num desvão da porta. - Sentadinha aí e bico, hein?" Ela ficava imóvel, a coitadinha. Seu único divertimento era ver o cuco sair do relógio, de hora em hora.
Ensinaram Negrinha a fazer crochê e lá ficava ela espichando trancinhas sem fim... Nunca tivera uma palavra sequer de carinho e os apelidos que lhe davam eram os mais diversos: pestinha, diabo, coruja, barata descascada, bruxa, pata choca, pinto gorado, mosca morta, sujeira, bisca, trapo, cachorrinha, coisa ruim, lixo. Foi chamada bubônica, por causa da peste que grassava... "O corpo de Negrinha era tatuado de sinais, cicatrizes, vergões. Batiam nele todos os dias, houvesse ou não houvesse motivo. Sua pobre carne exercia para os cascudos, cocres e belicões a mesma atração que o ímã exerce para o aço.
Mãos em cujos nós de dedos comichassem um cocre, era mão que se descarregaria dos fluidos em sua cabeça. De passagem. Coisa de rir e ver a careta..." D. Inácia era má demais e apesar da Abolição já ter sido proclamada, conservava em casa Negrinha para aliviar-se com "uma boa roda de cocres bem fincados!..." Uma criada furtou um pedaço de carne ao prato de Negrinha e a menina xingou-a com os mesmos nomes com os quais a xingavam todos os dias. Sabendo do caso, D. Inácia tomou providências: mandou cozinhar um ovo e, tirando-o da água fervente, colocou-o na boca da menina. Não bastasse isso, amordaçou-a com as mãos, o urro abafado da menina saindo pelo nariz... O padre chegava naquele instante e D. Inácia fala com ele sobre o quanto cansa ser caridosa...
Em um certo dezembro, vieram passar as férias na fazenda duas sobrinhas de D. Inácia: lindas, reconchudas, louras, "criadas em ninho de plumas." E negrinha viu-as irromperem pela sala, saltitantes e felizes, viu também Inácia sorrir quando as via brincar. Negrinha arregalava os olhos: havia um cavalinho de pau, uma boneca loura, de louça. Interrogada se nunca havia visto uma boneca, a menina disse que não... e pôde, então, pegar aquele serzinho angelical : "E muito sem jeito, como quem pega o Senhor Menino, sorria para ela e para as meninas, com assustados relanços d'olhos para a porta. Fora de si, literalmente..." Teve medo quando viu a patroa, mas D. Inácia, diante da surpresa das meninas que mal acreditavam que Negrinha nunca tivesse visto uma boneca, deixou-a em paz, permitiu que ela brincasse também no jardim.
Negrinha tomou consciência do mundo e da alegria, deixara de ser uma coisa humana, vibrava e sentia. Mas se foram as meninas, a boneca também se foi e a casa caiu na mesmice de sempre. Sabedora do que tinha sido a vida, a alma desabrochada, Negrinha caiu em tristeza profunda e morreu, assim, de repente: "Morreu na esteirinha rota, abandonada de todos, como um gato sem dono. Jamais, entretanto, ninguém morreu com maior beleza. O delírio rodeou-a de bonecas, todas louras, de olhos azuis. E de anjos..."
No final da narrativa, o narrador nos alerta: "E de Negrinha ficaram no mundo apenas duas impressões. Uma cômica, na memória das meninas ricas. - "Lembras-te daquela bobinha da titia, que nunca vira boneca?" Outra de saudade, no nó dos dedos de dona Inácia: - "Como era boa para um cocre!..." É interessante considerar aqui algumas coisas: em primeiro lugar o tema da caridade azeda e má, que cria infortúnio para os dela protegidos, um dos temas recorrentes de Monteiro Lobato; o segundo aspecto que poderia ser observado é o fenômeno da epifania, a revelação que, inesperadamente, atinge os seres, mostrando-lhes o mundo e seu esplendor. A partir daí, tais criaturas sucumbem, tal qual Negrinha o fez.
Ter estado anos a fio a desconhecer o riso e a graça da existência, sentada ao pé da patroa má, das criaturas perversas, nos cantos da cozinha ou da sala, deram a Negrinha a condição de bicho-gente que suportava beliscões e palavrórios, mas a partir do instante em que a boneca aparece, sua vida muda. É a epifania que se realiza, mostrando-lhe o mundo do riso e das brincadeiras infantis das quais Negrinha poderia fazer parte, se não houvesse a perversidade das criaturas. É aí que adoece e morre, preferindo ausentar-se do mundo a continuar seus dias sem esperança.

AS FITAS DA VIDA – Um velho, ex-soldado da Guerra do Paraguai, sozinho e cego, acaba por engano sendo levado ao prédio da imigração em São Paulo. Velho e cego, ele declara que gostaria de reencontrar seu antigo capitão, ao qual serviu durante a guerra. Ele acredita que o bom homem seria capaz de curá-lo até mesmo da cegueira. Coincidentemente, o seu antigo capitão, objeto de sua grande estima, fora promovido a chefe do departamento de imigração, pois era médico. Ao encontrar o antigo soldado, o médico-capitão o encaminhou para uma cirurgia de catarata, devolvendo-lhe de fato a visão.

O DRAMA DA GEADA – Um rico fazendeiro do café enlouquece depois de ver todo seu cafezal queimado pela geada. Durante a noite ele desaparece e, depois de muito procurá-lo, seus parentes o encontram pintando de verde as folhas amareladas pela geada.

O BUGIO MOQUEADO – O narrador nos fala de sua experiência assustadora depois de ter visitado um bruto fazendeiro no Mato Grosso. Ele jantou com o homem e viu que uma estranha carne fora servida à esposa do fazendeiro. Ela comeu a contragosto o esquisito prato. Mais tarde, conversando com um amigo negro, descobrira que esse tal fazendeiro teria assassinado e moqueado (preparado a carne) um negro de sua fazenda por suspeitar que ele tivesse tido um caso com a sua esposa, o que se supunha pura maledicência.

O JARDINEIRO TIMÓTEO – O casarão da fazenda era ao jeito das velhas moradias coloniais: frente com varanda, uma ala e pátio interno. Neste ficava o jardim, também à moda antiga, cheio de plantas antigas cujas flores punham no ar um saudoso perfume d’antanho. Quarenta anos havia que lhe zelava dos canteiros o bom Timóteo, um preto branco por dentro. Timóteo o plantou quando a fazenda se abria e a casa inda cheirava a reboco fresco e tintas d’óleo recentes, e desd’aí – lá se iam quarenta anos – ninguém mais teve licença de pôr a mão em “seu jardim”. Verdadeiro poeta, o bom Timóteo. Não desses que fazem versos, mas dos que sentem a poesia sutil das coisas. Compusera, sem o saber, um maravilhoso poema onde cada plantinha era um verso que só ele conhecia, verso vivo, risonho ao reflorir anual da primavera, desmedrado e sofredor quando junho sibilava no ar os látegos do frio.
O jardim tornara-se a memória viva da casa. Tudo nele correspondia a uma significação familiar de suave encanto, e assim foi desd’o começo, ao riscarem-se os canteiros na terra virgem ainda recendente a escavação. O canteiro principal consagrava-o Timóteo ao “Sinhô velho”, tronco da estirpe e generoso amigo que lhe dera carta d’alforria muito antes da Lei Áurea. Nasceu faceiro e bonito, cercado de tijolos novos vindos do forno para ali ainda quentes e embutidos no chão como rude cíngulo de coral; hoje, semi-desfeitos pela usura do tempo e tão tenros que a unha os penetra, esses tijolos esverdecem nos musgos da velhice.
(...) Ninguém, a não ser Timóteo, colhia flores naquele jardim. Sinhazinha o tolerava desde o dia em que ele explicou: – Não sabem, Sinhazinha! Vão lá e atrapalham tudo. Ninguém sabe apanhar flor... Era verdade. Só Timóteo sabia escolhê-las com intenção e sempre de acordo com o destino. Se as queriam para florir a mesa em dia de anos da moça, Timóteo combinava os buquês como estrofes vivas. Colhia-as resmungando. – Perpétua? Não. Você não vai pra mesa hoje. É festa alegre. Nem você, dona violetinha! ... Rosa maxixe? Ah! Ah! Tinha graça a Cesária em festa de branco!...
(...) Vendeu-se a fazenda. E certa manhã viu Timóteo arrumarem-se no trole os antigos patrões, as mucamas, tudo o que constituía alma do velho patrimônio. – Adeus, Timóteo! – disseram alegremente os senhores-moços, acomodando-se no veículo. – Adeus! Adeus!... E lá partiu o trole, a galope... Dobrou a curva da estrada... Sumiu-se para sempre...
Pela primeira vez na vida Timóteo esqueceu de regar o jardim. Quedou-se plantado a um canto, a esmoer o dia inteiro o mesmo pensamento doloroso: – Branco não tem coração... Os novos proprietários eram gente da moda, amigos do luxo e das novidades. Entraram na casa com franzimentos de nariz para tudo. – Velharias, velharias... E tudo reformaram. Em vez da austera mobília de cabiúna, adotaram móveis pechisbeques, com veludinhos e frisos. Determinaram o empapelamento das salas, abertura de um hall, mil coisas esquisitas... Diante do jardim, abriram-se em gargalhadas. – É incrível! Um jardim destes, cheirando a Tomé de Souza, em pleno século das crisandálias! E correram-no todo, a rir, como perfeitos malucos. – Ó tição, vem cá! Timóteo aproximou-se, com ar apatetado. – Olha, ficas encarregado de limpar este mato e deixar a terra nuazinha. Quero fazer aqui um lindo jardim. Arrasa-me isto bem arrasadinho, entendes? Timóteo, trêmulo, mal pôde engrolar uma palavra: – Eu? – Sim, tu! Por que não? O velho jardineiro, atarantado e fora de si, repetiu a pergunta: – Eu? Eu, arrasar o jardim? O fazendeiro encarou-o, espantado da sua audácia, sem nada compreender daquela resistência. – Eu? Pois me acha com cara de criminoso?
E não podendo mais conter-se explodiu num assomo estupendo de cólera – o primeiro e o único de sua vida. - Eu vou mas é embora daqui, morrer lá na porteira como um cachorro fiel. Mas olhe, moço, que hei de rogar tanta praga que isto há de virar uma tapera de lacraias! A geada há de torrar o café. A peste há de levar até as vacas de leite! Não há de ficar aqui nem uma galinha, nem um pé de vassoura! E a família amaldiçoada, coberta de lepra, há de comer na gamela com os cachorros lazarentos!... Deixa estar, gente amaldiçoada! Não se assassina assim uma coisa que dinheiro nenhum paga.
Não se mata assim um pobre negro velho que tem dentro do peito uma coisa que lá na cidade ninguém sabe o que é. Deixa estar, branco de má casta! Deixa estar, caninana! Deixa estar! ... E fazendo com a mão espalmada o gesto fatídico, saiu às arrecuas, repetindo cem vezes a mesma ameaça: “Deixa estar! Deixa estar!...”. E longe, na porteira, ainda espalmava a mão para a fazenda, num gesto mudo: – Deixa estar... Anoitecia. Os curiangos andavam a espacejar silenciosos vôos de sombra pelas estradas desertas. O céu era todo um recamo fulgurante de estrelas. Os sapos coaxavam nos brejos e vaga-lumes silenciosos piscavam piques de luz no sombrio das capoeiras. Tudo adormecera na terra, em breve pausa de vida para o ressurgir do dia seguinte. Só não ressurgirá Timóteo. Lá agoniza ao pé da porteira. Lá morre. E lá o encontrará a manhã, enrijecido pelo relento, de borco na grama orvalhada, com a mão estendida para a fazenda num derradeiro gesto de ameaça: – Deixa estar!...

O FISCO (Conto de Natal) – Um menino, filho de imigrantes italianos, tenta ajudar a família se tornando engraxate. Mas assim que se dirige à praça, é abordado por um fiscal da prefeitura que exige dele a licença municipal. Sem o dinheiro para a licença, o menino é levado até sua casa, sua mãe tem de gastar as últimas economias do mês e o menino bem-intencionado acaba por levar uma surra do pai, enquanto o fiscal se dirige ao bar da esquina para tomar uma cerveja com o dinheiro que “arrecadara”.

OS NEGROS – O narrador e seu amigo Jonas param no meio de uma viagem a cavalo pelo interior, na casa de Adão, um negro ex-escravo, que lhes oferece pouso. Sem espaço em seu barraco, todos vão dormir na casa grande da fazenda, abandonada e amaldiçoada. Durante a noite, Jonas é possuído pelo espírito do jovem Fernão, um português pobre, funcionário da fazenda no tempo da escravidão, e que teve um namoro escondido com a filha do patrão, o temível Capitão Aleixo. Isabel, a filha do capitão, acabou mandada para a corte e enlouqueceu, longe de seu amado. A escrava Liduína, que ajudou o casal, foi morta a relho. O jovem Fernão foi emparedado vivo. Depois do transe, Jonas de nada se lembrava, de modo que ficou só na memória do narrador a história da tragédia dos jovens amantes.

BARBA AZUL – Um amigo do narrador conta-lhe a história de um tal Pânfilo Novais, um facínora que descobriu um terrível meio de enriquecer: casava-se com mulheres feias, magras e pequenas, inaptas para o parto;fazia-lhes seguro de vida e , assim que engravidavam, morriam no parto, deixando-o com o dinheiro do seguro.

O COLOCADOR DE PRONOMES – Aldrovando Cantagalo veio ao mundo em virtude dum erro de gramática. Havia em Itaoca um pobre moço que definhava de tédio no fundo de um cartório. Escrevente. Vinte e três anos. Magro. Ar um tanto palerma. Ledor de versos lacrimogêneos e pai duns acrósticos dado à luz no “Itaoquense”, com bastante sucesso. Vivia em paz com as suas certidões quando o frechou venenosa seta de Cupido. Objeto amado: a filha mais moça do coronel Triburtino, o qual tinha duas, essa Laurinha, do escrevente, então nos dezessete, e a do Carmo, encalhe da família, vesga, madurota, histérica, manca da perna esquerda e um tanto aluada.
Triburtino não era homem de brincadeiras. Esgoelara um vereador oposicionista em plena sessão da Câmara e desde aí, se transformou no tutu da terra. Toda a gente lhe tinha um vago medo; mas o amor, que é mais forte que a morte, não receia sobrecenhos enfarruscados, nem tufos de cabelos no nariz. bilhetinho perfumado. Aqui se estrepou… Escrevera nesse bilhetinho, entretanto, apenas quatro palavras, afora pontos exclamativos e reticências: Anjo adorado!
Amo-lhe!… Para abrir o jogo, bastava esse movimento de peão. Ora, aconteceu que o pai do anjo apanhou o bilhetinho celestial e, depois de três dias de sobrecenho carregado, mandou chamá-lo à sua presença, com disfarce de pretexto — para umas certidõezinhas, explicou.
Apesar disso o moço veio um tanto ressabiado, com a pulga atrás da orelha. Não lhe erravam os pressentimentos. Mal o pilhou portas aquém, o coronel trancou o escritório, fechou a carranca e disse: — A família Triburtino de Mendonça é a mais honrada desta terra, e eu, seu chefe natural, não permitirei nunca-nunca, ouviu? que contra ela se cometa o menor deslize. Parou. Abriu uma gaveta. Tirou de dentro o bilhetinho cor de rosa, desdobrou-o. — É sua esta peça de flagrante delito? O escrevente, a tremer, balbuciou medrosa confirmação — Muito bem! continuou o coronel em tom mais sereno. Ama, então, minha filha e tem a audácia de o declarar… Pois agora… O escrevente, por instinto, ergueu o braço para defender a cabeça e relanceou os olhos para a rua, sondando uma retirada estratégica. — …é casar! concluiu de improviso o vingativo pai.
O escrevente ressuscitou. Abriu os olhos e a boca, num pasmo. Depois, tornando a si, comoveu-se e, com lágrimas nos olhos, disse, gaguejante: — Beijo-lhe as mãos, coronel! Nunca imaginei tanta generosidade em peito humano! Agora vejo com que injustiça o julgam aí fora!… Velhacamente o velho cortou-lhe o fio das expansões. — Nada de frases moço, vamos ao que serve: declaro-o solenemente noivo de minha filha! E voltando-se para dentro, gritou: — Do Carmo! Venha abraçar o teu noivo! O escrevente piscou seis vezes e, enchendo-se de coragem, corrigiu o erro. — Laurinha quer o coronel dizer… — Sei onde trago o nariz, moço. Vassuncê mandou este bilhete à Laurinha dizendo que ama-”lhe”. Se amasse a ela deveria dizer amo-”te”. Dizendo “amo-lhe” declara que ama a uma terceira pessoa, a qual não pode ser senão a Maria do Carmo. Salvo se declara amor à minha mulher!… — Oh, coronel… — …ou à preta Luzia, cozinheira. Escolha! — Os pronomes, como sabe, são três: da primeira pessoa— quem fala, e neste caso vassuncê; da segunda pessoa-a quem se fala, e neste caso Laurinha; da terceira pessoa — de quem se fala, e neste caso Maria do Carmo, minha mulher ou a preta. Escolha!
Não havia fuga possível. (...) E Aldrovando empreendeu a realização de um vastíssimo programa de estudos filológicos. Encabeçaria a série um tratado sobre a colocação dos pronomes, ponto onde mais claudicava a gente de Gomorra. Fê-lo, e foi feliz nesse período de vida em que, alheio ao mundo, todo se entregou, dia e noite, à obra magnífica. Saiu trabuco volumoso, que daria três tomos de 500 páginas cada um, corpo miúdo. Que proventos não adviriam dali para a lusitanidade!
Todos os casos resolvidos para sempre, todos os homens de boa vontade salvos da gafaria! O ponto fraco do brasileiro falar resolvido de vez! Maravilhosa coisa… Pronto o primeiro tomo — Do pronome Se — anunciou a obra pelos jornais, ficando à espera da chusma de editores que viriam disputá-la à sua porta. E por uns dias o apóstolo sonhou as delícias da estrondosa vitória literária, acrescida de gordos proventos pecuniários. Calculava em oitenta contos o valor dos direitos autorais, que, generoso que era, cederia por cinqüenta. E cinqüenta contos para um velho celibatário como ele, sem família nem vícios, tinha a significação duma grande fortuna. Empatados em empréstimos hipotecários, sempre eram seus quinhentos mil réis por mês de renda, a pingarem pelo resto da vida, na gavetinha onde, até então, nunca entrara pelega maior de duzentos. Servia, servia!… E Aldrovando, contente, esfregava as mãos, de ouvido alerta, preparando frases para receber o editor que vinha vindo… Que vinha vindo mas não veio, ai!…
As semanas se passaram sem que nenhum representante dessa miserável fauna de judeus surgisse a chatinar o maravilhoso livro. (...) Dedicou-o a Fr. Luís de Sousa: À memória daquele que me sabe as dores — O autor. Mas não quis o destino que o já trêmulo Aldrovando colhesse os frutos de sua obra. Filho dum pronome impróprio, a má colocação de outro pronome lhe cortaria o fio da vida. Muito corretamente havia escrito na dedicatória :…daquele que me sabe… e nem poderia escrever de outro modo um tão conspícuo colocador de pronomes. Maus fados intervieram, porém — até os fados conspiram contra a língua! — e, por artimanha do diabo que os rege, empastelou-se na oficina esta frase. Vai o tipógrafo e recompõe-na a seu modo… daquele que sabe-me as dores… E assim saiu nos milheiros de cópias da avultada edição. Mas não antecipemos. Pronta a obra e paga, ia Aldrovando recebê-la, enfim. Que glória! Construíra, finalmente, o pedestal da sua própria imortalidade, ao lado direito dos sumos cultores da língua.
(...) Aldrovando abancou-se à velha mesinha de trabalho e deu começo à tarefa de lançar dedicatórias num certo número de exemplares destinados à crítica. Abriu o primeiro, e estava já a escrever o nome de Rui Barbosa, quando seus olhos deram com a horrenda cinca: “daquele QUE SABE-ME as dores“. — Deus do céu! Será possível? Era possível. Era fato. Naquele, como em todos os exemplares da edição, lá estava, no hediondo relevo da dedicatória a Fr. Luís de Sousa, o horripilantíssimo — QUE SABE-ME… Aldrovando não murmurou palavra. De olhos muito abertos, no rosto uma estranha marca de dor — dor gramatical inda não descrita nos livros de patologia - permaneceu imóvel uns momentos. Depois, empalideceu. Levou as mãos ao abdômen e estorceu-se nas garras de repentina e violentíssima ânsia. Ergueu os olhos para Frei Luís de Sousa e murmurou. — Luís! Luís! Lamma Sabachtani! E morreu. De quê, não sabemos — nem importa ao caso. O que importa é proclamarmos aos quatro ventos que com Aldrovando morreu o primeiro santo da gramática, o mártir número um da Colocação dos Pronomes. Paz à sua alma.
Nota: ”Do espólio de Aldrovando Cantagalo faziam parte numerosos originais de obras inéditas, entre os quais citaremos: O acento cincunflexo-3 volumes; A vírgula no hebraico-5 volumes; Psicologia do til-2 volumes e a A Crase-10 volumes. Pesavam todos, por conjunto, 4 arrobas, que renderam, vendidos a 3 tostões o quilo, 18 mil réis”.

UMA HISTÓRIA DE MIL ANOS – Vidinha é uma bela jovem, um anjo de candura, vive com a família nos confins do interior, sem sonhos, ilusões ou paixões. Um dia, um forasteiro desperta em seu coração o amor, beija-lhe e desaparece. Na solidão, agora percebida depois de conhecer o amor, Vidinha definha, entristece e acaba morrendo. “Não vive na terra o que não é da terra”.

OS PEQUENINOS – Enquanto espera o navio que trará um amigo de Londres, o narrador ouve histórias dos marinheiros. Uma delas narra um episódio em que um gaviãozinho ataca uma ema, cravando-lhe sob as asas as suas garrinhas e bicando-lhe sem piedade a carne viva e macia. Sem defesa, a grande ema é vítima do gaviãozinho. A outra história é de um português, Manuel, que é acusado de roubar um saco de arroz e depois descobre que quem o roubou foram as formigas, tão pequeninas. Enfim, o narrador recebe o amigo, tuberculoso, vítima do pequenino bacilo de Koch.

A FACADA IMORTAL – Trata-se de um célebre golpe que Indalício Ararigbóia deu em seu amigo Raul. Chamava-se na época FACADA o empréstimo que se fazia sem a intenção de pagar. O golpista era conhecido por faquista. Indalício consegue arrancar um empréstimo do pão-duro amigo Raul ao mexer com a vaidade do amigo. Após o golpe, Indalício sente-se vitorioso e Raul sente-se derrotado.

A POLICITEMIA DE DONA LINDOCA – Desgostosa do descaso e das traições do marido, dona Lindoca queixa-se de um mal-estar, procura o doutor Lorena, um médico charlatão, e descobre-se vítima de uma policitemia. O médico recomenda-lhe descanso e carinho da parte do marido. A vida está uma maravilha, até que o médico é descoberto e foge da cidade. O marido volta ao descaso e dona Lindoca sente saudades da policitemia.

QUERO AJUDAR O BRASIL – Um negro, funcionário da Sorocabana, procura pelos incorporadores da empresa que luta pela exploração do petróleo (seria de Lobato?) e deseja comprar 30 ações da empresa no total de 3 contos, toda a economia de uma vida inteira de trabalho duro. Ele declara que não se importa com os riscos que corre, pois tudo o que quer é ajudar o Brasil. “Abençoado negro!... Os teus três contos foram mágicos... Trancaram com pregos a porta da deserção.”

SORTE GRANDE – Maricota é filha de dona Teodora. Moram numa pequena cidade, Santa Rita, com mais seis irmãos. Vivem na pobreza e, para piorar, Maricota desenvolve uma doença rara que lhe faz crescer o nariz. Do tamanho de uma beterraba, o nariz agora é notório e vexatório. A família junta um dinheiro para uma consulta com um especialista de uma cidade grande, mas no caminho, num barco, Maricota conhece um jovem médico, Dr. Cadaval, que se interessa pelo seu caso e a convida para uma tratamebto no Rio de Janeiro. Maricota aceita se mudar para o Rio desde que o Dr. lhe consiga alguns favores, emprego para os irmãos e até casamento para as irmãs. Afinal ele, como pesquisador irá colher os louros da vitória pela descoberta do Rinofima, nome do tumor de Maricota. Ela acaba operada e seu nariz volta ao normal, a família se ajeita e o médico ganha fama. O que fora considerado uma vergonha, agora passou a ser chamado de sorte grande pelo povo de Santa Rita.

DONA EXPEDITA – Dona Expedita é uma senhora de 60 anos que ainda diz a todos que tem 36. Ela procura um emprego de criada para serviços leves, mas a situação está difícil. O narrador então nos conta dois episódios engraçados vividos por ela na sua busca por um emprego ideal. Um dia ela viu no jornal uma oferta de emprego leve de acompanhante para o qual se pagaria 400 mil réis por mês, mas ao chegar ao local descobriu que se tratava de um erro no anúncio, o salário seria de 40 mil réis. O segundo episódio foi quando uma imigrante alemã a procurou falando de um serviço excelente, de uma boa patroa e um bom salário. Dona Expedita achou que ela era a patroa interessada em contratá-la, mas descobriu desconsolada que a alemã também procurava por um emprego assim.

HERDEIRO DE SI MESMO – Lupércio Moura, aos 36 anos, começa a ser acompanhado por uma maré de boa sorte. Tudo conspira para seu enriquecimento. Por acaso, embriagado, acaba comprando o casco de um velho navio, uma sucata, por 45 contos de réis, tudo o que possuía. Um ano depois, o preço do ferro sobe em função da guerra e ele vende a sucata por mais de 400 contos. No fim da vida está rico, uma fortuna de 60 mil contos, sem ter um herdeiro. Então, procura o médium, Dr. Dunga e pede-lhe que se informe com os espíritos sobre quem será sua mãe na sua próxima encarnação, para fazê-la depositária da fortuna dele no seu testamento, queria ser herdeiro de si mesmo.

 Por Cledenilson Moreira.
www.clednews.blogspot.com

Comentários

  1. " a Internet é o espaço da liberdade absoluta para além da liberdade de imprensa" AYRES BRITO, MINISTRO DO STF.
    Por Favor, estamos sendo depreciados pelos inimigos do povo: Divulgue nossa postagem, em nome da liberdade os blogueiros!
    O Preço do "CANGUARETAMA EM CHAMAS"...
    Caros companheiros e companheiras: Canguaretama talvez sará surpreendida por uma falsa especulação infame e defamatória a respeito da boa índole dos responsáveis pelo Blog "Canguaretama em Chamas": Prof. Erivan Ferreira e o empresário Fernando Filho, além deles, outras pessoas de ígual caráter correm o risco de verem seus nomes atacados por covardes que se escondem no anonimato e que podemos classificá-los aqui com "INIMIGOS DE CANGUARETAMA". Estamos seguros no que afirmamos, pois esta informação nos chegou direto da fonte (do fogo inimigo) através de nossos informantes que se arriscam em nome do ideal de liberdade e democracia.
    Porém, confiamos em nossos leitores para que neste dia tenebroso, vocês possam advogar em nosso favor, pois nosso trabalho é árduo e direcionado para um único alvo: garantir a cidadania e dignidade para nosso POVO.
    Amigos Canguaretamenses, se é ter que conviver com nossos honrados nomes jogados à lama e depreciados por parte de um "jornaleco anônimo" distribuído pelos " INIMIGOS DE CANGUARETAMA " é o preço que teremos que pagar em nome do nosso idel de liberdade e democracia para nosso povo, então assim com o "Tira Dentes" no epísódio conhecido por " inconfidência Mineira", estamos dispostos a pagá-lo.
    Mas atenção seus covardes! "Inimigos de Canguaretama"! Anônimos Criminosos! Saibam que ao fazerem este ato repugnante e imoral, vocês não terão mais como voltar atrás, pois estamos bem certos quem são os meliantes que compõe sua inescrupolosa quadrilha. Temos provas, temos testemunhas, temos a tecnologia em nosso favor ( ou vocês nunca ouviram falar em caneta espiã, em gravação de conversas por MP3 ou xerox de documentos implicatórios). Estamos apenas esperando que se cumpram o que já sabemos que vai acontecer em breve... E aí sim, teremos todos os argumentos para levarmos "Os parasitas" para os tribunais!
    Respeitosamente: Equipe do Canguaretama em Chamas (25/05/2011).

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  2. q pena q ñ postaram camara cascudo, pois ñ tem em nehum canto essa cronica .

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