O FIM DO PROFESSOR.


D. Beatriz é mãe de Joãozinho. Todo dia útil ela grita para acordar o seu filho.
- Joãozinho acorda! São sete horas e você vai perder aula!
Joãozinho, dessa vez, não levantou da cama.
A mãe foi até o quarto do garoto e perguntou:
- por que você não quer levantar dessa cama? Já disse que você não pode gazear aula!
Joãozinho acordado responde:
- Não é isso mãe. Daqui a pouco vou estudar no computador.
A mãe perguntou:
- você não vai à escola?
Joãozinho disse:
- a aula hoje é em grupo de cinco alunos. Eu vou ficar aqui no computador conectado com os meus amigos. Cada um na sua casa. Tá tudo marcado para as 10 horas; por isso vou dormir mais um pouco.
A mãe:
- como é? Eu não entendi! E as faltas? E os seus professores? E suas notas?
Joãozinho disse:
- mãe, vá lá na escola se informar porque agora tudo mudou. Minha escola é meu computador e meus professores são os sites em que vou pesquisar, estudar e aprender. Por falar nisso, vou já olhar se já me enviaram a atividade de matemática no meu e-mail. É assim, faço tudo no computador, envio para meus colegas no twitter e no facebook. O trabalho de matemática não deve ser difícil.



D. Beatriz pergunta:
- e se você tiver alguma dúvida?
Joãozinho responde:
- eu consulto a Wikipédia e troco ideias no Orkut, twitter e facebook com meus colegas. É fácil, em cada clique a gente acha uma explicação clara. Não precisa de professor. E tem mais: é melhor assim por que não tem bagunça na sala de aula, conversas paralelas, aulas chatas e nem o professor se estressa.
D. Beatriz, espantada, indaga:
- Meu Deus! Que mundo louco. Mudou tudo. Não tem mais professor. Menino, me diga, a escola ainda existe? Isso mudou quando?
Joãozinho:
- Mudou esta semana para começar o bimestre. A escola tá lá só o prédio. Ela manda as aulas pelo blog e pelo site e a gente manda as atividades pelo e-mail.



D. Beatriz:
- Mas, tá errado! A escola é um ambiente de socialização. Como é que você vai se relacionar com seus coleguinhas? Isso faz parte da educação. Eu vou lá nessa escola agora.
Joãozinho:
- esquenta não mãe. Pra que tem as redes sociais na internet?! A gente conversa, troca ideias, aprende, fofoca e até faz paquera se quiser. É a modernidade.
D. Beatriz não entende e sai em disparada para a escola. Chegando próximo ao portão, não precisa nem abrir a boca; o portão abre automaticamente. Tem um sensor que percebe e identifica a pessoa. Uma voz no alto-falante diz: “seja bem-vinda dona Beatriz”.
D. Beatriz se espanta de novo e se pergunta: “Como esse troço sabe quem sou eu?”



Ela entra e no corredor escuta outra voz: “D. Beatriz, a senhora é a mãe do aluno João Silva Neto conhecido por Joãozinho. Qualquer informação dirija-se a sala 015”.
D. Beatriz vê o número na porta da sala. Tem um botão de cor verde com os dizeres “aperte, entre e sente-se”.
D. Beatriz faz tudo direitinho e quando senta na poltrona, outro susto.
Tem um computador na cadeira da direção falando com ela: “O que deseja D. Beatriz? Desempenho de João Silva Neto aperte F2, presença e faltas aperte F3, nota por disciplina aperte F4, outras informações aperte F5”.



D. Beatriz começa a falar:
- Eu quero saber onde estão os professores do meu filho e agora também o diretor?
O sistema do computador interpreta a pergunta e responde: “D. Beatriz, por favor aperte a tecla F5 e, em seguida, fale o nome “Sistema”.
Ela aperta e fala a palavra mágica.
O computador fala:
- Nosso sistema de ensino é o mais moderno e adequado a educação dos alunos. Acabamos com a velha concepção de ensino aprendizagem e criamos um mundo da educação mais dinâmico, atraente, interessante, motivador e com conhecimento suficiente que prepara o estudante para os desafios de sua vida futura. Todo sistema é informatizado com programas educativos e atualizados distribuídos em nosso site e portais de estudo. No site, na Internet, o aluno terá todo o suporte necessário a sua formação: enciclopédias, dicionários, livros, jogos e muitos outros trabalhos preparados exclusivamente para o desenvolvimento intelectual do aluno. Tudo on-line, virtual, digital, fácil, prático e agradável. É o prazer de estudar sendo renovado. Os alunos adoram. Mais alguma pergunta D. Beatriz? Espero que tenha esclarecido. Para Desempenho de João Silva Neto aperte F2, presença e faltas aperte F3, nota por disciplina aperte F4, outras informações aperte F5.



D. Beatriz ainda desorientada diz:
- E como os alunos ficam sabendo da nota? Quem corrige os trabalhos?
O computador entende a pergunta e fala:
- nosso sistema é completo. As atividades e demais trabalhos são gabaritados e os textos são criptografados em algoritmos e outros símbolos inter-relacionados observando a ortografia, a semântica, a sintaxe, os cálculos e as ideias. O editor digital faz tudo direitinho. Sem erros. Isso garante 100% de eficiência no resultado das questões e na aprendizagem.
D. Beatriz pergunta:
- mas os alunos precisam de contatos, de relacionamento escolar, social.
- O computador fala:
- isso é feito também em nosso sistema. Temos várias redes sociais on-line que permitem aos alunos total relacionamento com fotos, vídeos, textos, recados ao vivo e já gravado. É mais seguro por que o estudante não precisa sair de casa e enfrentar a violência das ruas e das escolas. O modelo de contatos em sala de aula já está ultrapassado. A onda agora é a educação digital.



D. Beatriz pergunta:
- mas onde estão os professores? Não existem mais? Foram extintos?
O computador fala:
- professor é coisa do passado. Não trabalhamos mais com essa concepção. Nosso sistema Matrix oferece tudo o que os estudantes precisam.
D. Beatriz diz:
- mas quem elabora os conteúdos dos alunos? Quem planeja e seleciona o que é mais importante para o aluno aprender? É o pensar?



O computador fala:
- essa pergunta não consta no meu banco de dados. Ela só pode ser respondida na sala 016. Obrigado.
D. Beatriz, bastante intrigada, se dirige a sala indicada. Na porta o mesmo procedimento. Ela entra e lá encontra 12 computadores e uma zeladora. D. Beatriz pergunta a zeladora:
Você é humana?
A zeladora sorri e responde:
- claro que sim. Eu faço a limpeza do prédio e das máquinas todo dia. Eu e mais uma colega que está na outra sala.



D. Beatriz indaga:
- mas só vocês duas para uma escola inteira que tem mais de 500 alunos?
A zeladora diz:
- é, com esse sistema, não existem mais salas de aulas, cozinha, pátio, biblioteca, sala de vídeo; só tem um banheiro e as salas com os computadores da direção, coordenação, monitores e segurança. São quatro salas. Economiza merenda, energia, produtos, espaço, tempo e outras despesas. Não é legal?
D. Beatriz fala:
- o outro computador me mandou para essa sala por que perguntei sobre os conteúdos pensados e aqui eu encontraria a resposta. É você quem responde?
A zeladora diz:
- não! Aguarde um pouco aqui que a senhora será atendida. Eu vou limpar a outra sala. Fique a vontade.



Dona Beatriz sentou e ficou olhando para os 12 computadores com a vontade de puxar a tomada de cada um deles. Ficou pensando. Meus Deus! Nunca pensei que isso seria possível. O fim da profissão do professor. Uma escola sem alunos, sem professores e funcionando com segurança. E fazendo do jeito que o aluno gosta. Sem pressão, no mundo deles, à vontade, mas cobrando responsabilidade de cada um e dos pais. É, vai sobrar para os pais colocar os meninos na frente do computador para fazer o dever de casa. Se é que é dever de casa, deve ter mudado também. Já tou vendo o Joãozinho. Já era maluco por Internet e agora?!

Dona Beatriz olha para a parede e vê uma câmera filmadora. Ela percebe que tudo é filmado e pergunta:
- tem alguém aí?
Uma jovem bonita entra na sala e se dirige a D. Beatriz.
- a senhora é D. Beatriz e quer uma resposta para tirar sua dúvida.
D. Beatriz diz:
- sim. A senhora quem é?
A moça responde:
- Sou a coordenadora da escola. Já estou informada sobre sua questão. É o seguinte: esses 12 computadores que a senhora está vendo, pertencem aos educadores da escola. Eles são distribuídos por disciplina. É daqui que são enviados os conteúdos pensados e os alunos recebem toda a informação no computador deles.
D. Beatriz pergunta:
- vocês trocaram os professores por essas máquinas, computadores?
A coordenadora explica:
- não! D. Beatriz! Vou chamá-los para a senhora entender melhor.
A coordenadora olha para a câmera, aperta a tecla F8 do seu notebook e 12 pessoas entram na sala. Cada um ocupa o seu computador conforme a disciplina de formação. Cumprimentam D. Beatriz e sentam. A coordenadora diz:
- D. Beatriz, essas são as pessoas que elaboram os conteúdos e fazem o nosso sistema educacional. Sem elas nada disso seria possível. São os educadores que toda escola precisa. São eles que planejam e decidem qual o conteúdo mais importante para a formação do seu filho e dos demais alunos. Eles estão por trás dos computadores, afinal de contas, o computador é uma máquina leiga. Ele só responde aquilo que o homem programa para responder; por isso que o computador da sala da direção não respondeu a sua pergunta mais importante. Se o homem programar o computador para ele responder que 2 mais 2 é igual a 3, ele será exato e responderá 3.
D. Beatriz mais aliviada diz:
- Entendi tudo, mas juro que preferia a velha aula do meu tempo.
A coordenadora diz:
- Correto D. Beatriz, mas devemos saber que tudo muda, o mundo muda, a educação muda, as concepções também mudam. Temos que nos adequar a essa Matrix. Vivemos no mundo digital. Nossos alunos estão aprendendo mais nas lan houses, na Internet, do que naquele velho sistema de escola. Não se pode culpar ninguém pela mudança, deve-se fazer adaptação.
D. Beatriz pergunta:
- você não acha que essa adaptação foi muito radical?



A coordenadora responde:
- acho sim, mas isso veio a acontecer por dois motivos: o primeiro é a ordem natural das coisas, o meio eletrônico, a vida informatizada, o uso do computador e da Internet pra tudo, pra comprar, pesquisar, vender, etc. e o segundo foi a demora na mudança da concepção de professor. Este profissional importante se conformou em ser professor e quase foi substituído pelo computador. Quando ele se reconhecer enquanto educador, aí sim, não terá máquina nenhuma que vá substituí-lo. Cansamos-nos de ouvir as mães dos alunos de nossa escola dizendo que preferia um computador àquele professor que ensina meu filho. O homem não tem responsabilidade, não está nem aí. Não é um educador. A educação precisa de educadores presentes ou plugados. Ser professor é pouco. Ser um professor educador é fundamental. Como a senhora está vendo, a profissão de educador jamais vai deixar de existir. Ela será sempre necessária e importante no conhecimento das futuras gerações. Que sejamos educadores conscientes do dever de socializar conhecimento e contribuir para uma sociedade mais humana, embora digitalizada.

Texto produzido por Cledenilson Moreira para fins de reflexões didático-pedagógicas.
Todos os direitos reservados.

Comentários

  1. Parabéns! Por alguns instantes achei que minha função de professor estaria completante extinta. Mas vejo que nunca fui professor e sim educador. Isso me basta quando meus alunos diz ou me escreve uma cartinha dizendo que sou a melhora professora ele que já teve. E criança não mente.O computador jamais ouvira isso do ser humano, logo não se emocionará. É por essa e outras razões que amo o que faço.

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